Iniciando mais uma segundona. Com direito a preguiça e tudo mais. Por mais que não se queira, a segunda sempre nos pega desprevenidos e com aquele gostinho de ter que reiniciar uma nova jornada. Por mais que seja estranho, mas este é o segundo dia da semana. Vida que segue no compasso das incertezas da noite escura da agonia de uma pandemia, que insiste em se fazer presente. Tal situação me faz recordar de uma das significativas frases ditas por Pedro: “Só vivendo a noite escura dos pobres, é possível viver o Dia de Deus. As estrelas só se veem de noite.” Por mais escura que seja a noite, estamos certos do alvorecer de um novo dia. Feliz daquele que vive sem pressa um dia de cada vez! Estou aprendendo a ser assim.
Acordei bastante cedo e rezei mais uma vez no “Jardim do Éden” que é o meu quintal, guardadas as devidas proporções, claro! Lembrando que esta expressão “Jardim do Éden”, é o espaço que, segundo a tradição judaico-cristã, é também chamado de Paraíso, ou o “Jardim de Deus”, descrito tanto no Livro do Gênesis, quanto no Livro do profeta Ezequiel (século VI a.C.). Um lugar projetado por Deus, para que os seus filhos e filhas pudessem desfrutar de uma vida abundante e feliz. Não fosse a nossa avareza e o desejo de nos tornarmos pequenos deuses e deusas, a ocupar o lugar do próprio Deus, lá estaríamos todos nós ainda hoje, contemplando as suas maravilhas sem fim.
“Se engana quem acha que a riqueza e o status atraem inveja… as pessoas invejam mesmo é o Sorriso fácil, a Luz própria, a felicidade simples e sincera e a paz interior”, resumiu o Papa Francisco. Dentro de cada um de nós, convivemos com duas forças distintas e complexas: a avareza do querer ter sempre mais, num apego excessivo ao dinheiro, aos bens, às riquezas; e o seu antônimo, que se resume na entrega, no desprendimento, na generosidade e amorosidade, em dar-se, como dádiva aos outros. Cabe a cada um de nós fazer o discernimento, para que lado deixo me levar, como nos ensina um dos provérbios dos indígenas americanos: “Dentro de mim há dois cachorros: um deles é cruel e mau; o outro é muito bom. Os dois estão sempre brigando. O que ganha a briga é aquele que eu alimento mais frequentemente.”
Nesta manhã, não sei porque cargas d’água, me deixei levar por uma experiência diferente. Viajei ao passado, até encontrar-me com o meu querido e saudoso Padre Francisco Viana. Este brilhante intelectual, marcou significativamente a minha vida. Era ele o nosso professor na disciplina de Sociologia, no primeiro ano do curso de filosofia, na PUC de Campinas, nos idos de 1979. Fez-me muito sofrer com os seus textos propostos, mas ao mesmo tempo abriu o meu horizonte de pensamento, para águas mais profundas do conhecimento. Ao apresentar-me o pensador francês Émile Durkheim (1858-1917), também me fez conhecer o fato social, que nada mais é que os conjuntos de hábitos praticados pelas pessoas, por meio de suas ações no mundo, que lhes permitem a identificação de uma consciência coletiva, a qual age através das pessoas, influenciando as suas ações cotidianas de alguma maneira.
As aulas de sociologia do padre Viana, fizeram-me muito bem. Com elas aprendi a ver o mundo com outros olhos. Possibilitou-me enxergar um mundo constituído de forças gravitacionais nada ingênuas. Um mundo que passei a lê-lo também com a ajuda do nosso pedagogo maior, Paulo Freire. A partir de então fui desenvolvendo cada vez mais a minha consciência crítica, acerca das coisas e do próprio mundo. Consciência crítica que faltou aquele coronel do exército, que fora expulso com gritos, de dentro da Igreja da Paz em Fortaleza, por se comportar de forma desrespeitosa, se contrapondo a um ato de desagravo, em apoio ao padre Lino. Esqueceu o militar que se encontrava dentro de uma Igreja povo de Deus, e não num de seus quarteis, cuja consciência crítica passa longe dali. Consciência crítica não tem preço, mas valor. Um valor inestimável.
Consciência crítica que se espera de todo aquele que se coloca na mesma estrada da vida com Jesus de Nazaré. Ser um discípulo, discípulo d’Ele, requer antes de tudo uma atitude crítica frente aos desafios da vida. Não somente basta dizer que acredita n1Ele e o segue. É preciso comprometer-se com o Projeto de Reino anunciado por Ele. É necessária uma tomada de posição firme e decidida. Indiferença gera morte, a começar do indiferente, que permite morrer dentro de si os sentimentos mais nobres. A indiferença é a posição daqueles que vivem em cima do muro. Acabam fazendo besteira dos dois lados deste mesmo muro. Há até quem diga que quem permanece sobre o muro, pertence ao “coisa ruim”. Ademias, como já nos dizia o dramaturgo, e romancista irlandês, George Bernard Shaw (1856-1950): “O maior pecado para com os nossos semelhantes, não é odiá-los, mas sim tratá-los com indiferença; é a essência da desumanidade.” Comungar desta sua proposta é, definitivamente, tornar-se um perigo. E que perigo! O cristianismo passa necessariamente pela Cruz do Crucificado. E nela vemos os crucificados da história, cuja nossa missão é descê-los de suas cruzes.