Quinta feira da quinta semana do tempo comum. Um amanhecer suave pelas bandas do Araguaia. A chuva que mansamente rompeu a madrugada trouxe-nos uma sensação de paz e leveza. O sol amanheceu dormindo preguiçosamente nesta manhã. O dia veio sem ele, contrariando assim a visão indígena, de que é o sol que traz-nos o dia pela mão. O despertar de meu quintal entrou também neste clima, com os meus visitantes se acomodando timidamente, sobre as árvores sem muito alarde. Um clima monástico, quiçá reverenciando a “regra do Silêncio”, proposta pela santa do dia: Santa Escolástica (480 d.C.-543 d.C.).
Um amanhecer triste no cenário político de nossa história republicana. Na calada da noite do dia de ontem, os “nobres” deputados, fizeram o desfavor de aprovar o Projeto de Lei (PL 6299/02), que flexibiliza o uso indiscriminado de agrotóxicos na produção da lavoura brasileira. Um projeto que estava engavetado há 20 anos, votado a toque da caixa. Aliás, mudando inclusive a nomenclatura: de “agrotóxico” para “pesticidas”, o que não muda muita coisa, por se tratar de venenos perigosíssimos. A mesa das famílias brasileiras, vão estar com mais veneno. De saber que um dos alimentos básicos da culinária brasileira, o feijão, chega às nossas mesas recheado com 400% de mais veneno que a maioria dos países da Europa.
Que país é este? Já se perguntavam os músicos do grupo Legião Urbana. Os filhos das trevas, encarregando de nos envenenar a todos cada vez mais. A “bancada da bala”, a “bancada evangélica”, se unindo a “bancada do veneno”. O veneno está na nossa mesa! Coisa que não acontecerá em larga escala, uma vez que o filtro dos países que importam as “Commodities brasileiras”, não aceitam que os produtos agrícolas por eles adquiridos, tenham esta excessiva carga de agrotóxicos. Nós brasileiros é que morreremos todos envenenados, graças a ação dos políticos filhos das trevas, que temos no parlamento brasileiro. Como já nos dizia o filósofo e escritor romano Sêneca (4 a. C. – 65) a. C.): “Para a ganância, toda a natureza é insuficiente”.
“Somos o que comemos”, dir-nos-ia o “Pai da Medicina” Hipocrates (460 a.C.-377 a.C.). Não somente os alimentos que já vem com uma dosagem excessiva de venenos, mas as nossas vidas são marcadas pelo contexto da produção destes. A lavoura em larga escala deixa um rastro destruidor de tudo o que vê pala frente. Exemplo disto é o que ocorre com os indígenas da etnia A’uwé (Xavante) do Território de Marãiwatsédé. Numa determinada época do ano, o riacho que corta a aldeia, não pode ser utilizado, por causa do alto grau de agrotóxico presente em suas águas, decorrente das lavouras de soja que estão nas fazendas mais acima. Neste período, as crianças são acometidas de doenças de pele e diarréias frequentes. Os fazendeiros reproduzem aquilo que fora dito pelo filósofo e economista britânico Adam Smith (1723-1790): “O consumo é a única finalidade e o único propósito de toda produção”.
Vivemos dias difíceis e tenebrosos. Viver de forma saudável e integral tornou-se um grande desafio. Também o veneno do ódio se faz presente entre nós. Nos últimos anos, particularmente de 2018 para cá, vemos o desabrochar de um ódio que certamente dormitava no interior das pessoas, ganhando assim à luz do dia. Ódio que se manifesta através dos “gabinetes” que se especializaram em disseminar desinformação, mentiras, intolerância, intransigência e negação do óbvio, de forma mortífera e descabida. Só Deus mesmo para ter piedade de almas tão perturbadas.
O veneno do ódio se faz presente em nosso cotidiano. Aquele que pensa diferente e age segundo os seus princípios, não é mais um adversário político, mas um inimigo a ser duramente combatido no campo de batalha das armas da mentira. Se nas décadas de 1920/1930 se desenvolvia no Brasil, através do escritor brasileiro Sérgio Buarque de Holanda, o conceito fundamental do brasileiro como um “homem cordial”, um “Ser Cortez” por natureza, cai por terra diante do cenário grotesco que vemos descortinar no horizonte de nossas relações socais atuais. Os gabinetes do ódio se proliferam disseminando e destilando o ódio por todos os seus poros. Talvez por isso, em 2019, tenha aumentado assustadoramente em 96% a comercialização de armas de fogo no Brasil. Armas, inclusive, de uso restrito das Forças Armadas. Lembrando que na Câmara dos Deputados tramita um projeto lei que autoriza o uso de fuzis nas ruas por cidadãos comuns.
O ano de 2022 é para nós um ano singular. Neste ano teremos a grande oportunidade de passar este Brasil a limpo. Construir e reconstruir um país que seja para todos e todas. Nas próximas eleições teremos a chance de escolha de pessoas que realmente representam os nossos anseios, os nossos direitos, a nossa dignidade. Eleger um parlamento, cujas pessoas que lá estejam, sejam os dignos representantes das camadas mais pobres deste país. Um presidente que não queira resolver os problemas sociais da desigualdade, da fome e do desemprego com venda das armas de fogo, mas com livros, educação de qualidade e oportunidade para que todos sejamos gente. Com um livro nas mãos e as armas no chão! Que exerçamos o nosso poder de saber pensar, inspirados naquilo que foi dito por Pedro Demo: “O sistema não teme o pobre que tem fome. Teme o pobre que sabe pensar”. Livre pensar é só pensar e agir. E viva a educação!
Francisco Carlos Machado Alves conhecido como Chico Machado, foi da Congregação do Santíssimo Redentor, os Redentorista, da província de São Paulo. Reside em São Felix do Araguaia no Mato Grosso e é agente de Pastoral na Prelazia de São Felix desde 1992. Sua atividade pastoral é junto aos povos indígenas da região: Xavante, Kayabi, Karajá, dentre outros. Mestre em Educação atua na formação continuada de professores Indígenas, nas escolas das respectivas aldeias.