O ver e o enxergar

Quinta feira da Vigésima Quinta Semana do Tempo Comum. Setembro vai concluindo a sua etapa entre nós. Outubro, o mês missionário já entrou no horizonte de nosso campo visual. O mês dedicado à Bíblia está passando. Tomara que ela, a Bíblia, não esteja passando pelas nossas vidas, apenas como um objeto de decoração. Fonte de inspiração para a nossa fé, a Bíblia é a única leitura que fazemos cujo autor está presente na hora da leitura. Conhecer a Palavra de Deus é fazer a experiência de conhecer o próprio Deus no passo a passo da vida. “A palavra de Deus é viva, eficaz e mais penetrante do que qualquer espada de dois gumes; ela penetra até o ponto onde a alma e o espírito se encontram, e até onde as juntas e medulas se tocam; ela sonda os sentimentos e pensamentos mais íntimos”. (Hb 4,12)

A nostalgia tomou conta de todo o meu ser nesta manhã. O tempo prenunciando a chuva fez-me ficar assim. O silêncio da manhã em meu quintal nesta manhã estava ensurdecedor. “O silêncio é um amigo que nunca trai”, dizia Confúcio. Deus, o amigo de sempre, falando pela brisa adentrando meu pulmão, atravessando cada instante de meu pensamento. Com as nuvens tomando conta do céu, o sol aproveitou para dormir um pouco mais. A natureza com os seus mistérios e caprichos, revelando a face de um Deus pleno de ternura e misericórdia. A infinitude divinal de Deus se fazendo presença real neste minúsculo ponto do Universo. Dialogamos em forma de oração, trazendo presente os amigos distantes e também aqueles que necessitam de mais cuidados e das nossas orações.

Ver a vida acontecer pela ótica de Deus. Ver a realidade palpável, iluminando-a com a luz da Palavra. Um olho na vida e outro na realidade. Um pé na caminhada com Jesus e outro no chão batido de nossa história. Fazer da vida, luz que irradia amor, paz e solidariedade com as causas dos que mais sofrem. Palavra lida, palavra conhecida. Palavra encarnada, palavra vivida nas esquinas de nossa existência real. Compromisso com a Palavra e a vida que corre veloz. Um pé na Bíblia e outro na missão de sermos continuadores da ação libertadora de Jesus. Como diria nosso bispo Pedro: “A esperança só se justifica naqueles que caminham”.

“Eu sou a luz do mundo”. (Jo 8,12) Sendo a luz, Ele nos convida a segui-lo, renunciando ao comodismo da vida fácil, a indiferença e às riquezas, para servirmos uns aos outros e, assim, testemunharmos a presença de Deus entre nós. Refletindo esta mesma luz de Jesus em nós, cuidamos do nosso interior e nos preparamos para colocar a vida a serviço do Reino. Quando temos esta luz em nós, a vida ganha novos contornos, seguindo na mesma lógica do que disse o psicanalista, filósofo humanista e sociólogo alemão Erich Fromm (1900-1980): “A principal tarefa do ser humano nesta vida é dar luz a si mesmo”. Sejamos a luz que há em nós! Sejamos a luz que é Jesus irradiando por todos os poros, contagiando a todos!

Luz da Palavra de Deus que refletimos hoje mais uma vez com a ajuda do evangelista São Lucas. No texto de hoje, sequência do de ontem, Jesus está despertando a curiosidade de todos, sobretudo do tetrarca Herodes, achando que Jesus era João Batista que havia ressuscitado: “Herodes ouviu falar de tudo o que estava acontecendo, e ficou perplexo, porque alguns diziam que João Batista tinha ressuscitado dos mortos”. (Lc 9,7) A consciência pesada do inescrupuloso governante, fazia com que este ficasse atormentado com a possibilidade de estar frente a frente a verdade (Jesus). Os que andam nas trevas, têm dificuldades de enfrentar a luz do dia, que ofuscam os olhos, mente e coração.

O texto conclui que Herodes queria ver Jesus. Porém, a sua arrogância, prepotência e autosuficiência, o impedia de enxergar Jesus na sua essência, como o Messias, Verbo de Deus encarnado. Até conseguia vê-lo, mas não o enxergava, pois é preciso saber ver além do que se pode enxergar. Aquilo que fora dito por Jesus no evangelho Joanino, não encaixava no vocabulário limitado deste governante: “Eu sou o Caminho, a Verdade e a Vida; ninguém vem ao Pai senão por mim.” (Jo 14,6) A simples presença de Jesus ali naquele contexto histórico de Herodes era incômoda. Desta forma, a palavra e ação de Jesus deixam o povo e as autoridades sem saber o que pensar. É que a presença d’Ele força a todos a se perguntarem: “Quem é esse homem?” Somente quem faz o encontro pessoal com Jesus é capaz de enxergar n’Ele o Filho de Deus.


Francisco Carlos Machado Alves conhecido como Chico Machado, foi da Congregação do Santíssimo Redentor, os Redentorista, da província de São Paulo. Reside em São Felix do Araguaia no Mato Grosso e é agente de Pastoral na Prelazia de São Felix desde 1992. Sua atividade pastoral é junto aos povos indígenas da região: Xavante, Kayabi, Karajá, dentre outros. Mestre em Educação atua na formação continuada de professores Indígenas, nas escolas das respectivas aldeias.