Os destinatários do Reino

Quarta feira da Décima Semana do Tempo Comum. Estamos vivendo o Ano Litúrgico A. O Evangelho escolhido para a nossa caminhada de fé para este ano é o do evangelista Mateus, que faz parte do grupo dos Evangelhos Sinóticos (Mateus, Marcos e Lucas). Estes são aqueles Evangelhos que narram a vida e o ministério público de Jesus de Nazaré sob o mesmo ponto de vista. O termo Sinótico vem do Grego “synopsis”, que significa resumo, sintético, substancial. Portando, o significado da palavra sinótico indica as características dos três Evangelhos assim denominados.

Ao escrever seu Evangelho Mateus tem um propósito bastante claro, qual seja apresentar Jesus com o título de Emanuel, que significa: “Deus está conosco” (Mt 1,23). Segundo este evangelista, Jesus é o Messias que realiza todas as promessas feitas por Deus no Antigo Testamento. Porém, esta realização ultrapassa todas as expectativas puramente terrenas e materiais dos contemporâneos de Jesus, que esperavam apenas um rei nacionalista para libertá-los da dominação romana. Aliás, esta foi uma das principais causas da rejeição de Jesus, entregando-a morte. Todavia, aqueles e aquelas que aderem ao seu projeto, tornam-se portadores/as da Boa Notícia à todos as pessoas, a fim de que elas pertençam ao Reino do Céu.

Os destinatários primeiros do Reino são os pobres, excluídos, invisibilizados e marginalizados. Foi por eles e para eles que Jesus assumiu a nossa condição humana, encarnando-se em nossa realidade histórica, se fazendo o “Deus conosco”, como nos descreve o Evangelho de Mateus. É o que nos faz entender também a Oração Eucarística IV quando rezamos: “Verdadeiro homem, concebido do Espírito Santo e nascido da virgem Maria, viveu em tudo a condição humana, menos o pecado; anunciou aos pobres a salvação, aos oprimidos, a liberdade, aos tristes, a alegria. E, para realizar o vosso plano de amor, entregou-se à morte e, ressuscitando dos mortos, venceu a morte e renovou vida”.

Mateus nos traz no dia de hoje mais um trecho do “Sermão da Montanha”, quando Jesus discorre sobre a importância da Lei. São apenas três versículos, mas de uma densidade muito grande, onde Jesus começa dizendo: “Não penseis que vim abolir a Lei e os Profetas. Não vim para abolir, mas para dar-lhes pleno cumprimento”. (Mt 5, 17) Jesus não começa do zero, mas dá continuidade aquilo que ocorrera com Abraão, Isaac e Jacó. Entretanto, este pleno cumprimento de que fala Jesus da lei passa por uma nova compreensão desta lei. Não basta cumprir a lei pelo fato dela ser lei, mas por aquilo que ela traz de justiça e misericórdia, sobretudo para os pequenos, pobres e indefesos.

Jesus é aquele que ensina com autoridade e pleno conhecimento da vida humana que está sendo ameaçada pelas autoridades judaicas. Ele não provoca a ruptura entre a lei antiga e a nova interpretação que precisa ser feita diante da concepção libertária da lei. A lei cumprida ao pé da letra não significa que ela seja portadora de vida plena para as pessoas mais simples. A postura de Jesus é fundamentada no sofrimento que ele está vendo a sua volta, das pessoas sendo menosprezadas em nome da lei. Ao dar esta nova roupagem para a lei, Jesus não rompe com a tradição vinda dos antepassados Abraão, Isaac e Jacó, mas quer garantir a relação com Deus e as pessoas sem dominação, exploração ou qualquer forma de discriminação e desigualdade.

Aqui cai por terra o conceito que perdurou por um bom tempo na História da Igreja como entendimento da lei: “Dura lex sed Lex”. Esta é uma expressão em latim, que foi traduzida para a língua portuguesa significando “a lei é dura, mas é a lei”. Ou seja, se tinha ideia que por mais dura, severa e rigorosa que fossem as leis, elas deviam ser cumpridas indiscriminadamente, exigindo muitos sacrifícios dos mais pobres. O que Jesus quer dizer é que não se cumpre fielmente a lei subdividindo-a em observâncias minuciosas, criando uma burocracia escravizante. Deus é amor, justiça e misericórdia! A Lei de Deus é para a libertação dos pobres, os destinatários do Reino. A sua lei é a continuidade desse ser de Deus, para que as pessoas tenham vida e relações mais fraternas aqui e agora. Que venha a ternura de Deus em nossos corações pela sua lei!


Francisco Carlos Machado Alves conhecido como Chico Machado, foi da Congregação do Santíssimo Redentor, os Redentorista, da província de São Paulo. Reside em São Felix do Araguaia no Mato Grosso e é agente de Pastoral na Prelazia de São Felix desde 1992. Sua atividade pastoral é junto aos povos indígenas da região: Xavante, Kayabi, Karajá, dentre outros. Mestre em Educação atua na formação continuada de professores Indígenas, nas escolas das respectivas aldeias.