Os indígenas na ONU

Quarta feira da 25ª semana do tempo comum. Chegamos a mais uma primavera. No dia de hoje, a partir das 16h21, iniciaremos a mais esta estação, pondo fim ao inverno. A primavera se estende até o dia 22 de dezembro, quando enfim, chegaremos ao verão. Uma primavera marcada pelo clima seco e de intenso calor. Grande parte deste calor, provocado pelas queimadas, que ainda se fazem presentes em solo amazônico. A fumaça é tanta, que o sol nasce envolto a uma enorme bola, como se fosse de fogo, dando-nos a ideia de um tempo apocalíptico.

Desde que aportei em terras mato-grossenses da prelazia, aprendi a conviver com a ideia de que aqui, por estas bandas, só existem duas estações climática definidas: inverno e verão. Inverno é o período em que as chuvas caem sobre nós abundantemente, geralmente entre os meses de outubro a abril. E o verão é quando elas já se foram e o astro rei reina absoluto. Neste período, os raios solares são inclementes, despertando o cuidado naqueles que irão se expor a eles. O povo do sertão sabe muito bem conviver com estas duas estações e tiram de letra.

A primavera está entre nós. Aqui e ali já é perceptível a transformação a que a natureza vai se submetendo. Impossível não nos lembrarmos de quando estávamos nos primeiros anos de nossa escolarização, em que a escola realizava várias atividades, para nos colocar em sintonia com a primavera. Eu amava tais atividades, e sempre me colocava a disposição para recitar alguma poesia. Gostava de recitar os versos de algum poeta/poetisa e, de vez quando, aventurava a recitar os meus próprios do poeta que nunca fui. Em mais uma primavera, sejamos ao menos capazes de pensar como a escritora Clarice Lispector: “Sejamos como a primavera que renasce cada dia mais bela… Exatamente porque nunca são as mesmas flores”.

Primavera nada florida para os povos indígenas do Brasil. Se sentem profundamente indignados, depois de terem sua realidade maquiada, num discurso fantasmagórico na abertura da 76ª Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU). É como se vivessem em pleno mar de rosas em seus territórios, e não existisse Marco Temporal, PL 490, invasão e grilagem de suas terras, garimpeiros sangrando seus rios e matas, envenenamento de seus rios pelo “agro-veneno”. Nosso governante que ali esteve, deu um verdadeiro show de inverdades mirabolantes, deixando indignada nossa maior liderança indígena, conhecida e respeitada no mundo inteiro, o cacique Raoni Metuktire, da etnia caiapó.

“Fale sempre a verdade, ainda que ela doa em você”. Esta foi uma das primeiras lições que aprendi com a minha mãe, ao ser flagrado por ela, em uma de minhas peraltices da infância. Todavia, nos tempos atuais, faltar com a verdade, virou sinônimo de esperteza. Para alguns de nós, houve uma verdadeira inversão de valores, quando a mentira passou a ser considerada uma nobre virtude, ganhando assim a ordem do dia. Mentem desavergonhadamente, como exímios atores cínicos, tergiversando e algemando a verdade. Se bem que o filósofo Aristóteles em seu tempo já nos alertava: “Que vantagem têm os mentirosos? A de não serem acreditados quando dizem a verdade”.

“A verdade é filha do tempo e não da autoridade, mas a dúvida é o começo da sabedoria”, dizia-nos o astrônomo, físico e engenheiro, Galileu Galilei (1564-1642). A verdade é a primícia maior dos transparentes. Verdade foi também uma das características principais a que Jesus atribuiu a si, como o Messias enviado de Deus. Verdade esta que perpassa também a existência de todos aqueles e aquelas que se colocam no mesmo plano de seguimento do Filho de Deus. Verdade absolta de Deus fazendo a história acontecer pelos nossos atos, desmistificando o reino da mentira e apontando para a justiça do Reino de Deus.

Devemos ser portadores da verdade e abominar a mentira e seus devotos. Embevecidos com esta verdade personificada em Jesus, nos fazemos seguidores seus, na medida em que damos continuidade à sua missão. Exatamente da mesma forma que o texto de Lucas apresenta hoje para nós. Sendo instrumentos eficazes da verdade, não devemos “levar nada para o caminho, nem bordão, nem bolsa, nem pão, nem prata; não tenham duas túnicas cada”. (Lc 9, 3). Nosso bispo Pedro teve um jeito bem peculiar ao traduzir esta passagem, fazendo dela um de seus projetos de vida: “Não ter nada. Não levar nada. Não poder nada. Não pedir nada. E, de passagem, não matar nada; não calar nada”. (Pedro Casaldáliga: Pobreza evangélica – 2008)


Francisco Carlos Machado Alves conhecido como Chico Machado, foi da Congregação do Santíssimo Redentor, os Redentorista, da província de São Paulo. Reside em São Felix do Araguaia no Mato Grosso e é agente de Pastoral na Prelazia de São Felix desde 1992. Sua atividade pastoral é junto aos povos indígenas da região: Xavante, Kayabi, Karajá, dentre outros. Mestre em Educação atua na formação continuada de professores Indígenas, nas escolas das respectivas aldeias.