Os pobres nos evangelizam

25ª semana do tempo comum. Uma quinta feira em que entramos na última semana do mês de setembro. O mês da Bíblia está chegando ao fim e, alguns de nós, não cumpriram com a sua missão de ler os seis capítulos da Carta de São Paulo aos Gálatas, como nos fora proposto para este ano. Uma carta muito atual para os nossos dias de hoje, sobretudo se nos detivermos no capítulo 2, versículo 10: “Não esqueçam os pobres”. Ou seja, como Jesus, não nos esqueçamos dos pobres. Eles são o objeto primeiro da prédica e prática de Jesus de Nazaré.

Uma manhã pra lá de abençoada. Depois da chuvinha que caiu nesta noite passada, o amanhecer no Araguaia teve uma conotação diferente. Que o digam a passarada que acordou alegre e feliz, cantarolando e louvando o Criador pela dádiva da chuva. O clima rancoroso e enfumaçado dos dias anteriores, cedeu lugar a uma manhã límpida, possibilitando um respirar mais saudável. Me irmanei a esta galera e entoei a minha oração em sintonia, seguindo o mantra de meus visitantes. Água é vida! “Felizmente, a chuva do caju veio como esperado”, disse-me o meu vizinho em tom de alívio.

Os pobres estão no coração da mensagem de Jesus. Paulo apenas faz evidência daquilo que para Jesus estava muito claro. Uma opção clara e definida pelas suas ações. Não devemos nos esquecer que o homem Jesus é um judeu, filho de uma família pobre, carpinteiro de uma cidadezinha de Nazaré da Galileia. Talvez um dos municípios mais pobres de seu tempo. Constituída de pessoas marginalizadas, que ansiavam ardentemente por um processo de transformação social. Jesus está encarnado nesta realidade social, como nos lembra um dos documentos do Concílio Vaticano II (1962-1965), Gaudium et Spes 22 (“Alegria e Esperança” em latim), quando afirma: “Por sua encarnação, o Filho de Deus uniu-se de algum modo a todo homem. Trabalhou com mãos humanas, pensou com inteligência humana, agiu com vontade humana, amou com coração humano”. Ou seja, Ele se faz solidário geográfica-histórica e cultural ao seu povo pobre, se fazendo pobre com eles.

“Os pobres nos evangelizam”, dizia-nos frequentemente nosso bispo Pedro. Assim, antes mesmo que o Papa Francisco, nos trouxesse a proposta de “Uma Igreja em Saída”, Pedro já tinha a preocupação de, enquanto Prelazia de São Félix do Araguaia, houvesse por parte dos agentes, uma inserção no submundo dos pobres do baixo Araguaia. No “Vale dos Esquecidos”, como eram chamados os moradores desta região do país. Talvez por este motivo, Pedro tenha insistido tanto nas visitas às casas dos pobres. Segundo ele, 90% da pastoral, se resume às visitas. Ele mesmo era um entusiasta delas. Tive a grata felicidade, de percorrer com ele o sertão nestas visitas, bebendo da sabedoria daquelas pessoas. Mais ouvíamos que falávamos. Muito aprendi nestas andanças com Pedro em meio ao povo sofrido do Araguaia.

O ponto de partida da vida pública de Jesus, com o seu projeto messiânico, foi exatamente após o assassinato de João Batista. Ao saber da morte do precursor, Jesus se insere na Galileia dos pagãos e com eles e para eles anuncia a Boa Nova do Reino, fazendo o enfrentamento com o poder político, econômico, religioso e ideológico da época. Aquele que havia assassinado João Batista, se sente incomodado com a ação libertadora de Jesus no meio dos pobres: “Eu mandei degolar João. Quem é esse homem, sobre quem ouço falar essas coisas?” (Lc 9, 9). Ou seja, a prédica e prática de Jesus deixava o povo e as autoridades sem saber o que pensar. Foi assim com Jesus e é assim com todo aquele ou aquela que, como Ele, se colocar no meio dos pequenos para com eles, lutar pela sua libertação. Como diria Dom Hélder Câmara: “Quando dou comida aos pobres, me chamam de santo. Quando pergunto porque eles são pobres, chamam-me de comunista”.

Jesus que caminha com os pobres e se faz pobre com os pobres. Eles são os destinatários primeiros do Reino querido e sonhado por Deus. Eles nos evangelizam na medida em que vamos desvendando a realidade nua e crua que os faz marginalizados. Uma realidade complexa de exploração dos empobrecidos, que requer um conhecimento maior. Aqui, precisamos fazer uso da epistemologia em seu sentido mais estrito, qual seja aquilo que a filosofia chama de conhecimento científico, aprofundando o estudo crítico dos princípios, da realidade, como forma de desvendar os mecanismos desta estrutura de dominação dos pobres e com eles encontrar formas de superação e libertação. Ver Jesus e procurar conhece-lo na sua intimidade, para que o nosso seguimento seja através de ações libertadoras, d’Ele agindo através de nós. Que não caiamos tentação de que nos alerta o Papa Francisco: “Se seguirmos a Jesus como uma proposta cultural, trilhamos um caminho que nos leva cada vez mais para o alto, a ter mais poder. A história da Igreja está repleta desses exemplos, começando por alguns imperadores, governantes e algumas pessoas, até mesmo como certos padres e bispos. Alguns pensam que seguir a Jesus é fazer carreira”.

 


Francisco Carlos Machado Alves conhecido como Chico Machado, foi da Congregação do Santíssimo Redentor, os Redentorista, da província de São Paulo. Reside em São Felix do Araguaia no Mato Grosso e é agente de Pastoral na Prelazia de São Felix desde 1992. Sua atividade pastoral é junto aos povos indígenas da região: Xavante, Kayabi, Karajá, dentre outros. Mestre em Educação atua na formação continuada de professores Indígenas, nas escolas das respectivas aldeias.