Sextou mais uma vez sob o céu do Araguaia. Mais uma manhã quente. Apesar do barulho, prenunciando uma noite de tempestade, desta vez nenhuma gota caiu sobre o solo do Araguaia. Alarme falso do velho São Pedro, com seus trovões e relâmpagos que cortavam o firmamento, dando-nos a impressão de que o Araguaia iria receber as águas da chuva, cobrindo suas escâncaras praias. O que vimos no romper da aurora deste dia, foi o sol encaminhando o dia entre nuvens, emoldurando um belo cenário paradisíaco. Deus se fazendo teofania em mais uma manhã emoldurada.
Uma sexta feira em que fui surpreendido por um enxame considerável de abelhas, polinizando as flores do meu quintal. Seu zumbido característico, dando conta da presença delas ali O pé de cajá mais se parecia uma noiva, vestindo-se de amarelo sua roupagem verde. Da noite para o dia, resolveu soltar as suas flores, aromatizando todo o espaço natural. As abelhas, cumprindo a sua principal missão na mãe natureza, uma vez que o seu ato segundo é a fabricação do doce mel. Justamente elas que “vieram da grande tribulação”, como nos diz o último livro do Novo Testamento (Apoc 7,14) Conseguiram sobreviver, entre as mais 60 milhões delas, que não resistiram ao morticínio de 2019, decorrente da ação genocida dos agrotóxicos, utilizados nas lavouras de soja.
Uma sexta feira que nos faz recordar o saudoso Papa João XXIII (Angelo Giuseppe Roncalli), que adotara o lema “Obediência e paz”. O “Papa bom”, ou o “Papa da bondade”, como era aclamado, por causa de seu sorriso fácil, sua doce simpatia, simplicidade e jovialidade. O 261º pontífice da história da Igreja Católica, teve um pontificado de curta duração. Apenas 5 anos, mas o suficiente para convocar o histórico Concílio Vaticano II (1962-1965). Não viveu o suficiente para colher os frutos deste acontecimento histórico e tão significativo para a Igreja, uma vez que realizou a sua páscoa/passagem no ano de 1963, vítima de um câncer no estômago.
O Papa João, teve a feliz ideia de convocar o Concílio Vaticano II, com a finalidade de promover uma renovação da Igreja, promovendo uma reformulação na forma de vivenciar a mensagem católica no mundo moderno. Segundo ele, era como se a Igreja abrisse as suas janelas para deixar entrar os ventos da modernidade, arejando assim o “mofo” que corroía as entranhas da Igreja. Ao renovar e revitalizar a Igreja, possibilitou através daquilo que ele chamou de “os sinais dos tempos”, numa adequação da Igreja aos novos tempos e a transmitir a mensagem de Deus por meio de uma linguagem mais apropriada e mais compreensível à realidade dos homens e mulheres modernos.
Em sintonia com o “Papa da bondade”, estamos vivendo uma sexta-feira em que a liturgia do dia, nos conclama a refletir sobre o texto do discurso de Jesus, a caminho de Jerusalém (Lc 12,54-59). Mais do que dizer à multidão, Ele está orientando os seus para se preparem para aquilo que estava à sua frente, como sinal visível da manifestação de Deus no mundo. Se o papa, a seu tempo, falava da necessidade de se saber interpretar os “sinais dos tempos”, como forma de colocar a Igreja em sintonia com a modernidade, também aqui, vemos o Mestre Galileu, orientando o seu discipulado quanto à necessidade de se conhecer os sinais da manifestação de Deus na história humana, reconhecendo na atividade e testemunho de Jesus a manifestação concreta do Reino de Deus. O discípulo de Jesus é aquele que está sempre atento aos sinais dos tempos. Vê a realidade e não foge dela. Vê e não se cala diante dela, mas busca ser alguém que a transforma com a sua ação em vista do Reino.
Assim como Jesus é aquele que se encarnou na história humana, se fazendo um com a humanidade, o cristão tem a missão de ser um instrumento nas mãos de Deus atuando na sua concretude histórica. O seguidor, a seguidora de Jesus é antes de tudo aquele e aquela que se faz presente no meio em que vive, como um elo de transformação permanente, possibilitando a construção do Reino de Deus. Não se trata apenas de viver a fé num contexto individualista, intimista, sem se deixar mergulhar no conflito da sociedade, mas de ser um elo da corrente libertadora, transformando os sinais de morte em sinais de vida, assumindo em si o desafio de pensar globalmente e agir localmente. Somente assim haveremos de honrar o nosso compromisso de cristãos batizados, navegando na mesma barca com Jesus. As vezes remando contra a maré, mas trazendo presentes em nós os sinais do Reino de Deus. Ou fazemos assim ou então seremos igualados aqueles aos quais Jesus mesmo disse: Hipócritas! Vós sabeis interpretar o aspecto da terra e do céu. Como é que não sabeis interpretar o tempo presente? (Lc 12, 56) Que possamos repetir com Dom Bosco (1815-1888): “Aquilo que somos é presente de Deus; no que nos transformamos, é nosso presente a Ele”.
Francisco Carlos Machado Alves conhecido como Chico Machado, foi da Congregação do Santíssimo Redentor, os Redentorista, da província de São Paulo. Reside em São Felix do Araguaia no Mato Grosso e é agente de Pastoral na Prelazia de São Felix desde 1992. Sua atividade pastoral é junto aos povos indígenas da região: Xavante, Kayabi, Karajá, dentre outros. Mestre em Educação atua na formação continuada de professores Indígenas, nas escolas das respectivas aldeias.