Estamos vivendo dias tenebrosos. Diante de tantos descalabros, impossível não perder a paciência. Nunca que a vida humana valeu tão pouco para uma classe de políticos que temos entre nós. A indiferença é tamanha, frente à dor alheia, que chega a nos assustar. Já passamos das 210 mil vidas ceifadas, mas o governo brasileiro comporta-se como se não estivéssemos em meio a um grande genocídio. Mesmo com as mãos ensanguentadas, uma parte da classe política, ignora por completo tal situação, e só tem olhos para 2022. Que lástima!
Comecei a minha quinta-feira (21) de alma lavada. Meu coração regozija em meu peito. Repercute ainda em mim, a fala maiúscula da médica pneumologista e pesquisadora da Fiocruz Margareth Dalcomo. Que mulher! Num discurso emocionado, ao receber o prêmio São Sebastião, no Rio de Janeiro, ela disse ser “absolutamente inaceitável a falta das doses do imunizante no país”. Para ela, “as gestões diplomáticas do Brasil fracassaram nas negociações pela vacina”. Do outro lado da sua fala, estava nada mais nada menos que o Cardeal Dom Orani João Tempesta, Arcebispo da Arquidiocese de São Sebastião do Rio de Janeiro. Um adepto do bolsonarismo inconteste. Ficou com cara de tacho, se remexendo em sua cadeira.
As vacinas seguem dando o que falar. Elas salvam vidas! Infelizmente não estará disponível para todos os que necessitam dela. Para a cidade de São Félix do Araguaia, por exemplo, pouco mais de 200 doses. Não vacinará nem sequer os profissionais de saúde que atuam no município. Tudo porque as vacinas que viriam da China e da Índia, não virão mais. Falta de planejamento. Falta de vontade política. Falta de acreditar no processo de imunização. Falta de vergonha na cara. Falta de compromisso com a vida dos trabalhadores e trabalhadoras do país, que são exatamente aqueles e aquelas que estão morrendo, vítimas do vírus malvado.
“A vacinação é uma ação ética, porque está em risco a sua saúde, a sua vida, mas também a vida dos outros”, afirmou o Papa Francisco dias atrás. A despeito disto, alguns dos nossos inconsequentes negacionistas, seguem rejeitando a vacina, recusando peremptoriamente a ser vacinados. Alguns destes, orientados pelas suas lideranças religiosas: pastores oportunistas neopentecostais, padres e bispos da Igreja Católica. Tudo porque, segundo eles, a vacina está vindo da China. Mal sabem eles que quase 80% daquilo que fazem uso em suas vidas diariamente, advém daquele continente milenar. Haja paciência para suportar tamanha hipocrisia!
A paciência tem limites: Tudo na vida tem limite, inclusive a paciência. Nestes tempos controversos, que hora estamos vivendo, ela nos tornou mais próximos deste limite. Não aguentamos mais. Chega! Falta não somente a vacina contra a Covid-19, mas a vacina do bom senso. A vacina contra a indiferença. A vacina contra o descompromisso. A vacina do óleo de Peroba para aqueles que nos governam de forma tão bisonha e irresponsável. Nestas horas nos faz falta um Mário Quintana que diria: “Não, não somos obrigados a suportar tudo. A paciências tem limites e a vida é para ser vivida, não suportada.”
No momento em que achamos que já vimos de tudo, sempre aparece algo mais. Ontem, por exemplo, assisti estarrecido a homilia de um bispo católico brasileiro, falando horrores a respeito do papa Francisco. Dizendo estar cansado de tanto ouvir falar de pobres, ao que ele chamou de discurso ideológico. “Agora só falam de pobres e de árvores. As árvores são mais importantes que a vida das pessoas em si. Deixaram de lado a salvação das almas, que Jesus veio nos anunciar”, concluiu o tal bispo.
Confesso que fiquei enojado com a fala deste “homem de Deus”. Deu-me ânsia de vômito, diante deste discurso tão medíocre. Fiquei me perguntando, em qual instituição de ensino, este homem havia feito o seu curso de teologia? Qual foi a aula que este deixou de participar? Creio que passou pelo curso de teologia, mas não deixou a teologia perpassasse a sua vida, suas entranhas. Imediatamente pensei numa das falas de nosso bispo Pedro, quando indagado por um dos repórteres que o entrevistava. “Dom Pedro, já lemos muito do que o senhor escreveu, mas em momento algum vimos o senhor falar da salvação das almas das pessoas. O senhor não tem preocupação com as almas delas?” Ao que Pedro serenamente lhe respondeu: “Talvez porque eu não tenha visto nenhuma destas almas passando aqui na porta de casa. O que tenho visto frequentemente são centenas de corpos feridos, machucados pela ação demoníaca do latifúndio”. Que Deus nos dê sabedoria e a paciência necessárias! Até porque, segundo Santo Agostinho: “Não há lugar para a sabedoria onde não há paciência”.