Pai nosso

 

Iniciei a minha terça-feira (23) de um jeito diferente. Ao iniciar a minha oração da manhã, como faço todos os dias, percebi a presença de um visitante ilustre. No cantinho da minha área, havia uma cobra dormindo enroladinha. Cheguei mais perto e vi que se tratava talvez de um filhote de jibóia. Como elas não são venenosas, deixei que permanecesse ali até o final de minha conversa com Deus. Depois, calmamente a devolvi para a mata que fica nos fundos de minha casa e ela seguiu o seu caminho.

Tal situação me fez lembrar a primeira vez que deparei com uma delas aqui no Mato Grosso. Foi exatamente quando fui celebrar pela primeira vez numa das comunidades do sertão. Durante a noite, deitado em minha rede, deu vontade de ir lá fora para aliviar a bexiga. Orientado por Pedro, que dizia, “nunca desça da rede sem antes clarear o chão onde vai pisar”. Dito e feito. No cantinho do rancho onde eu dormia, havia também uma destas jibóias. Fui lá fora e quando retornei, ela já não estava mais ali. Como dizia uma das minhas irmãs, eu jamais voltaria a dormir sossegada depois de passar por experiência semelhante.

Rezei com os textos da liturgia do dia de hoje. Rezar é entrar em sintonia profunda com o nosso Deus. A oração é o alimento que nos sustenta na caminhada de fé. O Evangelho de hoje nos traz uma riqueza de detalhes para quem deseja fazer uma aproximação maior com o Deus da vida. Nesta oração, Jesus ensina os seus seguidores a forma mais adequada de rezar. Apresenta-lhes a Oração do Pai Nosso (Mt 6,9-13). Esta é a oração mais completa que temos. Nela, mostramos a nossa simplicidade e intimidade com o Deus de Jesus de Nazaré. Pai que não é somente meu, mas nosso. Através do Pai nosso, pedimos o essencial para que possamos viver segundo o Projeto de Deus: o pão que nos sustenta a cada dia. Pão que é nosso e não somente para a mesa de alguns. Além do alimento sagrado que é o pão de cada dia, nesta palavra, está inclusa todos os nossos anseios de vida plena: o pão da justiça, o pão da igualdade, o pão da fraternidade, o pão do acolhimento, o pão da ternura, o pão do cuidado. Como soube muito bem manifestar o padre Zezinho na canção “Oração Dos Pobres Sem Voz Nem Vez” 

Todo cristão conhece a Oração do Pai Nosso. Todos nós a rezamos no nosso cotidiano. Entretanto, rezar o Pai Nosso é antes de tudo comprometer-nos pelo pão que falta às mesas dos mais pobres. Pão que é o símbolo da Eucaristia, ocasião em que celebramos a Paixão, Morte e Ressurreição de Jesus. Eucaristia que não alimenta somente a alma, como alguns querem crer, mas nos faz comprometer com o Projeto de Deus revelado em Jesus de Nazaré. É muito perigoso comungar deste Pão que é o próprio Jesus. Comungar deste pão, “é tornar-se um perigo”, como diz a canção que cantamos durante a comunhão. Só tem lugar na mesa da Eucaristia para quem é também capaz de partilhar cotidianamente o pão, aos que estão com fome e sede de justiça. Assim, comungar é comprometer-se a lutar por uma sociedade mais justa, mais fraterna e solidária.

Rezar não é se perder num amontoado de palavras desconexas e ininteligíveis, como vemos alguns movimentos fazerem por aí. Também não precisamos lembrar aquilo que Deus já sabe a nosso respeito. O Senhor já sabe tudo de nós. Vale aqui lembrar aquela passagem dita da boca de Pedro a Jesus: “Senhor, tu sabes tudo…” (Jo 21, 16). Desta forma, não precisamos de muito palavreado para nos comunicar com Deus através de nossa oração. Enganam-se aqueles que acham que o muito falar nos aproxima mais de Deus. Não é o muito falar que faz da nossa oração algo mais significativo para Deus. Nestas horas é bom lembrarmos-nos da oração do fariseu e do publicano, narrada por Lucas: “O fariseu, de pé, rezava assim no seu íntimo: Ó Deus, eu te agradeço, porque não sou como os outros homens, que são ladrões, desonestos, adúlteros, nem como esse cobrador de impostos. Eu faço jejum duas vezes por semana, e dou o dízimo de toda a minha renda. O cobrador de impostos ficou à distância, e nem se atrevia a levantar os olhos para o céu, mas batia no peito, dizendo: Meu Deus, tem piedade de mim, que sou pecador! Eu declaro a vocês: este último voltou para casa justificado, o outro não. Pois quem se eleva, será humilhado, e quem se humilha, será elevado.” (Lc 18, 11-14) Rezar e ao mesmo tempo fazer, como dizia o lema beneditino “Ora Et Labora”, que Tiago na sua carta assim resume: “A fé sem as obras é morta”. (Tg 2, 17) Que venha teu Reino, Senhor!