Pão para todos

Ainda com meu coração contristado, iniciei hoje o meu dia (06), rezando pela esposa de nosso companheiro de caminhada Roberto Malvezzi (Gogó). Everanice Muniz Malvezzi, mais conhecida como Vera, partiu ontem (05) para a casa do Pai, em decorrência da Covid-19. O vírus segue levando pessoas de perto e de longe. Como disse a amiga Lucilene Druzian, dos bons tempos de PJ: “E lá se vão… cada dia mais… o amor de alguém, a mãe de alguém, a filha de alguém”. Quando será que os negacionistas de plantão vão pensar na frase desta minha amiga?

Hoje, a Igreja celebra a Festa dos Três Reis Magos. Rezei com a ajuda do texto da liturgia de hoje (Mc 6,45-52) que, na verdade, é a continuação do Evangelho de ontem. Esta narrativa de Marcos sempre me intrigou. Jesus que sacia a fome de milhares de pessoas. Muitos até falam erroneamente que Jesus “dividiu” o pão entre aquelas pessoas, o que não é verdade. Como nos disse o educador Mário Sérgio Cortella, “Jesus jamais dividiu pães e peixes. Se tivesse feito isso, não teria alimentado tantos. Ele ‘re-partiu’, partilhou. O que se divide, acaba. O que se partilha, multiplica.” Cortella está correto na sua interpretação daquele fato histórico. No capitalismo a divisão acontece, mas para sustentar os privilégios de uns poucos.

Nas nossas Comunidades Eclesiais de Base (CEBS), fazemos esta mesma experiência. Sempre que realizamos os encontros, fazemos a partilha de tudo àquilo que é trazido pelos participantes. Uma experiência extremamente gratificante, pois todos comem, ficam saciados e ainda sobra. Talvez tenha sido esta a mesma experiência realizada por Jesus de Nazaré, diante daquela realidade da fome local. Não que ele não tivesse o dom/poder de realizar o milagre da multiplicação.

A fome é algo real entre nós. Várias famílias não dispõem do que comer. Aqui não se trata da dieta feita pela madame granfina da elite burguesa, que deixa de comer para perder alguns quilinhos na balança. A fome das famílias é real. É não ter o que comer e também não saber quando irá tê-lo, para saciar a fome de seus filhos. E não tem coisa mais sofrível para uma mãe, ao ver o seu filho chorar, com fome. Seu coração de mãe se despedaça.

Jesus, quando orienta os seus seguidores a rezar ele apresenta-lhes a Oração do Pai Nosso (Mt 6,9-13). Ela é a oração mais completa que temos. Nela, a pessoa mostra a toda a sua simplicidade e intimidade com o Deus de Jesus de Nazaré. Através do Pai nosso, pedimos o essencial para que possamos viver segundo o Projeto de Deus: o pão que nos sustenta. O pão que é nosso e não somente para a mesa de alguns. Além do alimento sagrado que é o pão de cada dia, nesta palavra, está embutido todos os nossos anseios de vida plena: o pão da justiça, da igualdade, da fraternidade, do acolhimento, da ternura, do cuidado, da pertença. Oração esta que ficou marcada pela canção PAI NOSSO DOS MÁRTIRES, composta em 1987 pelo missionário verbita Cireneu Kuhn.

Rezar o Pai Nosso é antes de tudo comprometer-se pelo pão que falta às mesas dos pobres. O Pão é o símbolo da Eucaristia, muito embora, a ênfase maior dada é no pão que alimenta a alma. É muito comum nas celebrações realizadas por aí afora, sobressaltar este tipo de interpretação. Todavia, comungar deste pão, “é tornar-se um perigo”, como diz a canção que cantamos durante a comunhão. Só tem lugar na mesa da Eucaristia para quem sabe partilhar cotidianamente o pão aos que estão com fome. Assim, comungar é comprometer-se a lutar por uma sociedade mais justa, fraterna, igualitária. O contrário disto é comungar a própria condenação. “Pois aquele que come e bebe sem discernir o Corpo, come e bebe a própria condenação. (1Cr 11, 29) Ou seja, ao invés de ser um testemunho vivo de partilha, as nossas celebrações estão se transformando em lugar de ostentação, culto à personalidade, desfiles de egos, foco de preconceito, discriminação e marginalização dos mais pobres e vulneráveis. Tudo isso completamente fora do Projeto Originário de Jesus de Nazaré.

Lutar pelo pão é amar sem limites. “Não amemos com palavras nem com a língua, mas com obras e de verdade”. (1Jo 3,18) Somos desafiados a desenvolver em nós a prática do mandamento do amor, que não significa apenas amar com sentimento e com afeto, como comumente fazemos, mas através de ações concretas que promovam a vida e a liberdade das pessoas, nas condições em que se encontram. A prática do amor não tem limites, pois devemos amar como Jesus amou. Até as últimas consequências. Não basta conhecer quem foi Jesus, mas é preciso comprometer-nos com as suas causas, lutando sempre e sem desanimar. Como dizia a Madre Teresa de Calcutá: ”O que eu faço é simples: ponho pão nas mesas e compartilho-o”.