Irmãos e irmãs, bom dia!
Estamos a entrar um pouco de cada vez na Carta aos Gálatas. Vimos que estes cristãos se encontram em conflito sobre como viver a fé. O Apóstolo Paulo começa a sua Carta recordando-lhes as suas relações passadas, o seu mal-estar pela distância e o amor imutável que sente por cada um deles. Não deixa, contudo, de assinalar a sua preocupação de que os Gálatas sigam o caminho reto: é a preocupação de um pai, que gerou comunidades na fé. A sua intenção é muito clara: é necessário reafirmar a novidade do Evangelho, que os Gálatas receberam da sua pregação, a fim de construir a verdadeira identidade sobre a qual basear a própria existência. E este é o princípio: reiterar a novidade do Evangelho, aquele que os Gálatas receberam do Apóstolo.
Descobrimos imediatamente que Paulo é um profundo conhecedor do mistério de Cristo. Desde o início da sua Carta ele não segue os argumentos superficiais utilizados pelos seus opositores. O Apóstolo “voa alto” e também nos indica como agir quando surgem conflitos dentro da comunidade. Apenas no final da Carta, de facto, é explicitado que o cerne da diatribe suscitada é o da circuncisão, portanto a principal tradição judaica. Paulo opta por ir mais a fundo, porque o que está em jogo é a verdade do Evangelho e a liberdade dos cristãos, que é uma parte integrante do mesmo. Ele não se detém na superfície dos problemas, dos conflitos, como somos frequentemente tentados a fazer para encontrar uma solução imediata que nos ilude a pensar que todos podemos concordar com concessões. Paulo ama Jesus e sabe que Jesus não é um homem-Deus que faz concessões. Não é assim que funciona com o Evangelho e o Apóstolo escolheu seguir o caminho mais exigente. Escreve: «É, porventura, o favor dos homens que eu procuro, ou o de Deus?». Ele não procura fazer a paz com todos. E continua: «Por acaso tenho interesse em agradar aos homens? Se quisesse ainda agradar aos homens, não seria servo de Cristo!» (Gl 1, 10).
Em primeiro lugar, Paulo sente-se obrigado a recordar aos Gálatas que é um verdadeiro apóstolo não por causa do seu mérito, mas devido à chamada de Deus. Ele próprio conta a história da sua vocação e conversão, que coincidiu com a aparição do Cristo Ressuscitado durante a viagem a Damasco (cf. At 9, 1-9). É interessante notar o que ele diz sobre a sua vida antes desse acontecimento: «com que excesso perseguia a Igreja de Deus e a assolava; excedia em judaísmo a muitos da minha idade, sendo extremamente zeloso das tradições dos meus pais» (Gl 1, 13-14). Paulo ousa dizer que ultrapassou todos no judaísmo, era um verdadeiro fariseu zeloso, «irrepreensível na justiça que vem da observância da lei» (Fl 3, 6). Por duas vezes enfatiza que tinha sido um defensor das «tradições dos pais» e um «crente firme na lei». Esta é a história de Paulo.
Por um lado, insiste em sublinhar que perseguiu ferozmente a Igreja e que foi um «blasfemador, um perseguidor, um homem violento» (1 Tm 1, 13); não poupa adjetivos: ele mesmo se qualifica assim – por outro lado, evidencia a misericórdia de Deus para com ele, o que o levou a experimentar uma transformação radical, bem conhecida por todos. Ele escreve: «Eu era ainda pessoalmente desconhecido das comunidades cristãs da Judeia; tinham elas apenas ouvido dizer: “Aquele que antes nos perseguia, agora prega a fé que outrora combatia”» (Gl 1, 22-23). Converteu-se, mudou, mudou o coração. Paulo evidencia assim a verdade da sua vocação através do contraste flagrante que tinha sido criado na sua vida: de perseguidor dos cristãos porque não observavam as tradições e a lei, tinha sido chamado a tornar-se apóstolo para anunciar o Evangelho de Jesus Cristo. Mas vemos que Paulo é livre: é livre para anunciar o Evangelho e também é livre para confessar os seus pecados. “Eu era assim”: é a verdade que dá a liberdade do coração, é a liberdade de Deus.
Pensando nesta sua história, Paulo está cheio de admiração e gratidão. É como se quisesse dizer aos Gálatas que podia ter sido tudo menos apóstolo. Desde criança fora educado para ser um observador irrepreensível da Lei mosaica, e as circunstâncias tinham-no levado a lutar contra os discípulos de Cristo. No entanto, algo inesperado aconteceu: Deus, pela sua graça, revelou-lhe o seu Filho que morreu e ressuscitou, para que pudesse tornar-se o seu arauto entre os gentios (cf. Gl 1, 15-16).
Quão imperscrutáveis são os caminhos do Senhor! Tocamo-lo com as nossas mãos todos os dias, mas especialmente se pensarmos nos momentos em que o Senhor nos chamou. Nunca devemos esquecer o tempo e a forma como Deus entrou na nossa vida: ter fixo no coração e na mente aquele encontro com a graça, quando Deus mudou a nossa existência. Quantas vezes, perante as grandes obras do Senhor, surge espontaneamente a pergunta: mas como é possível que Deus se sirva de um pecador, de uma pessoa frágil e fraca, para realizar a sua vontade? E no entanto, não há nada de casual, porque tudo foi preparado no desígnio de Deus. Ele tece a nossa história, a história de cada um de nós: Ele tece a nossa história e se correspondermos com confiança ao seu plano de salvação, apercebemo-nos disso. A chamada envolve sempre uma missão à qual estamos destinados; por isso é-nos pedido que nos preparemos seriamente, sabendo que é o próprio Deus que nos envia, o próprio Deus que nos apoia com a sua graça. Irmãos e irmãs, deixemo-nos guiar por esta consciência: o primado da graça transforma a existência e torna-a digna de ser colocada ao serviço do Evangelho. O primado da graça cobre todos os pecados, muda os corações, muda a vida, mostra-nos novos caminhos. Não nos esqueçamos disto!
Fonte: Santa Sé