Pedro e outros Paulos

Amanheceu uma segundona preguiçosa. Até parece que está no nosso DNA. Segunda tem que ter preguiça. O dia amanhece e vamos assim vencendo as barreiras deste estado de espirito, que se apossa de cada um de nós. Assim que vamos adentrando o dia, vamos também tomando as rédeas de nosso existir com bravura. De cabeça erguida, vamos mirando o nosso horizonte de possibilidades, sempre acreditando que ali à frente estão as utopias, de quem sonha com outro mundo possível. Sonhar o sonho possível. Nunca é tarde para um novo sonho, um novo objetivo e a vontade de fazer tudo mudar. Esperançando em sonhos como nos dizia o filósofo Aristóteles (384 a.C.- 322 a.C.) “A esperança é o sonho do homem acordado.”

Iniciamos uma semana de possíveis decisões coerentes, que venham de encontro a retomada da dignidade dos povos indígenas. A nossa Suprema Corte, terá a oportunidade de fazer valer aquilo que está preconizado na Lei Maior do país, resguardando os territórios indígenas da ação criminosa de seus inescrupulosos invasores. Quem sabe assim, retirando os mais de 20 mil garimpeiros, que estão hoje invadindo o território sagrado dos Yanomami, espalhando o terror, as doenças e a contaminação de seus rios, através de sua mineração e garimpo.

Sigo daqui convivendo com a sequela do irmão AVC: as tais memórias de curto prazo. Dos males o menor. O velho “HD 6.4” segue intacto, me fazendo recordar, inclusive, de fatos vivenciados na infância feliz, lá pelas bandas de Minas Gerais. Tempo em que éramos felizes e sabíamos. O único inconveniente desta história de recuperação, é a quantidade de medicamentos. Ainda bem que um dos pajés indígenas, se prontificou a desintoxicar-me, em um de seus rituais. Para quem não é um alopata, meu organismo segue sendo intoxicando com tantas drogas. Quem deve estar gostando desta situação é a indústria farmacológica, que retira de mim, parte considerável de meu suado salário de aposentado.

O mês é o de setembro e não podemos nos esquecer que temos uma tarefa a cumprir, como fiéis seguidores e seguidoras de Jesus: ao menos ler a Carta de São Paulo aos Gálatas. Lembrando que estamos comemorando neste ano, os 50 anos em que o mês de setembro é dedicado à Bíblia. Uma carta de apenas 6 capítulos, cujo eixo temático central é o chamado feito pela Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB): “Pois todos vós sois UM só em Cristo Jesus”. O nosso maior desafio de cristãos, nem é o de conhecer a Palavra de Deus, mas o de buscar viver esta palavra no cotidiano de nossas vidas. Nesta vivência prática da palavra sigamos o exemplo de São Francisco de Assis que nos dizia: “Comece fazendo o que é necessário, depois o que é possível, e de repente você estará fazendo o impossível”.

Caminhamos a passos largos no mês de setembro, enquanto a primavera não vem. Estamos as vésperas de celebrar o centenário de nascimento de um grande homem de Deus. No dia 14 de setembro de 1921, nascia dom Paulo Evaristo Arns. Sagrado bispo em 1966 e nomeado Arcebispo de São Paulo no dia 22/10/1970, tomando posse dia 01/11/1970. Feito Cardeal por Paulo VI no ano de 1973. Sobre este grande amigo seu, Pedro dizia: “Um dos maiores bispos da América. Intelectual, jornalista, profeta destemido, defensor de perseguidos ou incompreendidos na Igreja e na sociedade. Sempre com serenidade franciscana, com coerência e firmeza, sempre aberto ao diálogo e sempre com a palavra oportuna, corajosa”.

Pedro, Paulo e Paulo. Três incontestes homens que testemunharam com a vida a coerência profética na luta pela libertação dos oprimidos. Amigos de longa data, Pedro e o cardeal Arns, viviam a experiência de uma igreja perseguida, seja pelos seus opositores, seja por aqueles que tinham a “mesma” fé. Dom Paulo, defensor maior dos Direitos Humanos, na periferia de um grande centro urbano. Pedro, fazia de sua vida uma entrega confiante, como testemunha fiel do Ressuscitado, na vida dos pequenos do Araguaia. Ameaçado de todas as formas, encontrando no amigo Arns, alguém que o defendia. Quem não se lembra do episódio do fim da década de 1970, quando representantes da Tradição, Família e Propriedade (TFP), corrente ultra conservadora, recorrendo aos militares, pedindo a expulsão do bispo Pedro do país, acusando-o de “comunista”. Foi o amigo Dom Paulo que intercedeu junto ao Papa Paulo VI, que saiu com esta frase: “Mexer com Pedro Casaldáliga é mexer com o papa”.

Neste ano também temos a oportunidade de celebrar o centenário de outro Paulo, o Freire. No dia 19 próximo comemoraremos o centenário de nascimento deste grande educador. Este outro Paulo também era admirado por Pedro, sobretudo pela sua contribuição para a educação brasileira, ajudando os oprimidos a conhecer melhor a realidade de exploração em que viviam. Tive a felicidade de estar próximo de Freire num dos momentos mais importantes de minha caminhada eclesial/sacerdotal, quando ainda ensaiava os primeiros passos. Ele, secretário de Educação em São Paulo, numa das reuniões que tivemos na Zona Leste, saiu com esta frase: “O sistema não teme o pobre que tem fome. Teme o pobre que sabe pensar.” Incorporei esta frase ao meu projeto de vida a partir daquele instante. Pedro e outros Paulos, pessoas que marcaram as nossas vidas, a quem tive o privilegio de trabalhar com os três.


Francisco Carlos Machado Alves conhecido como Chico Machado, foi da Congregação do Santíssimo Redentor, os Redentorista, da província de São Paulo. Reside em São Felix do Araguaia no Mato Grosso e é agente de Pastoral na Prelazia de São Felix desde 1992. Sua atividade pastoral é junto aos povos indígenas da região: Xavante, Kayabi, Karajá, dentre outros. Mestre em Educação atua na formação continuada de professores Indígenas, nas escolas das respectivas aldeias.