O ano era o de 1968. Vivíamos os horrores a ditadura militar, da farsa do “Brasil, ame-o ou deixe-o”. Ocasião em que você chegava às terras de Mato Grosso, vindo da sua Espanha. A sua boa vinda foi à ação covarde dos militares, embarcando os Xavante nos aviões da FAB, retirando-os a força de suas terras imemoriais e os levando para as aldeias da Terra Indígena de São Marcos, 500 quilômetros distantes daqui. Em estando lá, somente na primeira semana, cerca de 70 deles perderam suas vidas, pois não estavam acostumados ao contato com outros.
E você indignado, pois a terra que pertencia ao povo A’uwé, fora entregue a uma grande empresa multinacional (Agip-Liquigás), que instalou na terra dos povos originários, um grande latifúndio pecuarista, a Fazenda Suiá Missu, nos 168 mil hectares do Território A’uwé Uptabi de Marãiwatsédé. Esta era a prática comum dos militares, fazendo média e distribuindo terras para os grandes fazendeiros, instalarem os seus latifúndios. Fazem sentido as palavras ditas entre muitas lágrimas, pelo cacique Xavante Damião Paridzané, na sua despedida: “Nós perdemos os guardião de nossas causas.”
Inconformado com tamanha agressão e violência aos povos indígenas, você, no primeiro ano de bispo à frente da Prelazia de São Félix do Araguaia, trata logo de criar, juntamente com D. Tomás de Balduino, em 1972, o Conselho Indigenista Missionário – CIMI. Órgão vinculado à Conferência Nacional dos Bispos do Brasil – CNBB, com o objetivo precípuo de lutar pelo direito à diversidade cultural dos povos indígenas. Você já estava pensando longe, uma vez que este órgão tornou-se a principal referência e uma pedra no sapato das pretensões dos latifundiários de plantão.
Pedro é o cara! Um homem de visão! Caminhando sempre à frente de seu tempo. Atuando numa vasta extensão de terra, como está descrito no Hino da Prelazia de São Félix “Do Araguaia até o Xingu. Do Pará ao Travessão. Prelazia de São Félix. Povo de Deus no Sertão.” No “Vale dos Esquecidos”. Um povo sempre à margem de tudo e de todos. Os “ninguém”, colocados fora da história. E você viu que precisava também criar um órgão que lidasse diretamente com as questões ligadas à terra. Assim, em outubro de 1975, também em parceria com Tomás, cria a Comissão Pastoral da Terra – CPT. Uma instituição, vinculada a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil – CNBB, para atuar nas questões agrárias.
Você era o típico pastor que não gostava de trabalhar sozinho. Trazia sempre junto a si um grupo de pessoas que pensavam e atuavam juntos. Foi assim que idealizou e constituiu a prelazia. Uma igreja anticlerical na sua essência, conduzida sob sua batuta, mas recheada com a participação dos leigos, mulheres, os chamados agentes de pastoral. Muitos aderiram ao seu projeto de Igreja. Pessoas dos mais variados lugares do Brasil e do mundo, vieram somar contigo neste sonho utópico de fazer o REINO acontecer nestas terras dos ninguém.
Uma igreja formada por muitas mulheres. A participação feminina era de fundamental importância. Você possibilitou o protagonismo das mulheres. Coisa que na nossa Igreja anda faltando. As mulheres sempre relegadas a um segundo plano, mesmo com a expressiva maioria delas, participando de nossas comunidades por aí afora. Numa das primeiras reuniões dos agentes de pastoral que participei, no entro Comunitário Tia Irene, lá pelos idos de 1992, presenciei uma cena que me marcou muito. As mulheres tecendo duras críticas ao bispo. E você ali, ouvindo atentamente. Ao término da fala delas, você simplesmente disse que elas tinham razão e que iria procurar se corrigir. As mulheres tinham autonomia de vez e voz tanto quanto aos homens.
Por fim, quero lembrar-me de uma das coisas que também você criou, com a qualidade Pedro de fazer as coisas. E não estou falando da “Missa da Terra Sem Males” e nem da “Missa dos Quilombos”. Falo da criação do Arquivo da Prelazia. Este que começou com pequenos recortes de jornais da época, feitos pelo trabalho incansável da Tia Irene. Este espaço de informação, acerca do desenrolar histórico da região do Araguaia, tornou-se um dos maiores arquivos vivos da história que não se perdeu e nem foi em vão. Consultado por centenas de mestrandos, doutorandos e pós-doutorandos. Está vendo porque você é o cara? Sempre pensou à frente de seu tempo.