Perseverança como ação libertadora

Terça feira da sexta semana do tempo comum. Estamos em fevereiro. Um mês de pernas curtas, quando se vê, já está acabando. Seguimos a nossa caminhada vivendo um dia de cada vez. Por mais que nos preocupemos, o dia não se apressará em virtude do nosso muito preocupar. O tempo é o senhor da história e segue a sua rotina calmamente. Talvez um dos segredos de nosso existir, esteja exatamente na tranquilidade de saber dar tempo ao tempo, sem nos esquecermos de que ele é o senhor da razão. Cada dia é único e imprescindível para a nossa realização enquanto seres humanos. Viver cada dia intensamente é o nosso maior desafio.

Somos seres do aqui e agora dentro da “Folhinha do tempo” histórico. Seguimos o calendário gregoriano, que foi promulgado pelo Papa Gregório XIII, no ano de 1592. Neste calendário, o mês de fevereiro tem 28 dias, e a cada quatro anos, 29. Um calendário baseado nas mudanças de fase da Lua, inicialmente com 355 dias distribuídos em 12 meses, começando em março e terminando em fevereiro, sendo que uns meses tinham 29 dias outros 30. Foi durante o Império Romano, em 46 a.C., que Júlio César resolve fazer uma mudança significativa. Moveu janeiro e fevereiro para o início do ano, adicionando 10 dias, para chegar ao total de 365 dias de hoje. Como o mês de agosto, era uma homenagem ao imperador e tinha somente 30 dias, vaidoso que era, determinou, então, que seu mês tivesse mais um dia, retirado de fevereiro, que ficou com 28, que de quatro em quatro anos ganha mais um dia.

15 de fevereiro. Uma data histórica para a caminhada da Igreja latino-americana. Foi nesta data, no ano de 1966, que foi assassinado o revolucionário sacerdote católico colombiano Camilo Torres Restrepo (1929-1966), membro do Exército de Libertação Nacional (ELN). Camilo era um dos expoentes efetivos da Teologia da Libertação, tanto que seu legado é reivindicado pelas Comunidades Eclesiais de Base (CEBS) e pelos movimentos populares de todo mundo. Este padre influenciou a formação religiosa e teológica de minha geração, através de seus escritos, como militante da Teologia da Libertação e das causas populares. Na compreensão de Camilo Torres, “Se Jesus tivesse vivo hoje, ele seria um guerrilheiro.“

Vivemos o tempo do hoje da nossa história. Cada qual de nós fazendo a sua parte para que o mundo seja edificado. De provação em provação, como nos alerta o texto da primeira leitura da liturgia do dia de hoje (Tg 1,12-18). Tiago nos apresenta um texto sucinto e bastante objetivo quando, por exemplo, afirma: “Feliz o homem que suporta a provação. Porque, uma vez provado, receberá a coroa da vida, que o Senhor prometeu àqueles que o amam (Tg 1, 12). Entretanto, na concepção deste seguidor de Jesus, é enganoso da nossa parte achar que Deus tem um propósito de tentar as pessoas, como se quisesse levá-las a pecar. Aliás, alguns dentre nós tem esta ideia de que Deus vive nos tentando. Tentando e castigando.

Na concepção do autor desta carta, as tentações nascem dentro das próprias pessoas. É do interior delas que advém todas as formas de tentações, na medida em que elas se apegam ao desejo incontrolado de auto-suficiência, aos encantos do poder, da riqueza e dos prazeres. Segundo ele, quando este desejo interior é levado ao campo da prática cotidiana, esse desejo fere frontalmente o projeto de vida de Deus na história, ocasionando assim a situação de pecado, acarretando todas as formas de morte. Quem sede as tentações do querer ter sempre mais, passa por cima das outras pessoas no intuito de alcançar seus objetivos malévolos. Neste sentido, o ter mais se sobrepõe ao ser mais.

“Todo dom precioso e toda dádiva perfeita vêm do alto…” (Tg 1,17) Deus é o autor da vida e nos criou para a vida plena, abundante e integral.Sendo o autor da vida, Jamais nos conduziria à morte, pois o seu projeto é dar vida, e vida em plenitude. O supremo bem realizado pelo nosso Deus é gerar pessoas para a vida nova, comunicada pelo Evangelho, boa nova, boa notícia, a Palavra da verdade. Se as coisas acontecem fora deste contexto e desta dimensão, são em decorrência das opções e decisões que vamos assumindo ao longo do nosso existir. É por este motivo que o cristianismo trabalha a ideia da necessidade da perseverança. Tomar a decisão acertada e perseverar nela, assumindo todos os riscos daí decorrentes. Acreditar e perseverar no seguimento de Jesus. Perseverança como ação libertadora nossa e também daqueles com os quais, de mãos dadas, vamos caminhando nos caminhos da história.


Francisco Carlos Machado Alves conhecido como Chico Machado, foi da Congregação do Santíssimo Redentor, os Redentorista, da província de São Paulo. Reside em São Felix do Araguaia no Mato Grosso e é agente de Pastoral na Prelazia de São Felix desde 1992. Sua atividade pastoral é junto aos povos indígenas da região: Xavante, Kayabi, Karajá, dentre outros. Mestre em Educação atua na formação continuada de professores Indígenas, nas escolas das respectivas aldeias.