A minha ordenação sacerdotal aconteceu há 30 anos atrás, no final do ano de 1989, em minha cidade natal, Motes Claros, MG. Depois de 12 anos de estudos sistemáticos, um deles de noviciado, cheguei ao tão sonhado dia para aquele que segue a vida religiosa. Lá estavam comigo, boa parte dos companheiros de caminhada redentoristas, testemunhando comigo este dia festivo. Confesso que aquela parte da ordenação em que o bispo profere a oração: “Tu és sacerdote para sempre, segundo a ordem de Melquisedec, (Hb 5, 6) faz a gente tremer nas bases.
A intenção ao escrever este texto não é a de realçar os meus atributos, quanto ao sacerdócio, mas antes fazer uma breve reflexão sobre o sacerdócio em si e a missão do sacerdote no contexto de uma Igreja em Saída, como propõe o nosso Papa Francisco. Uma igreja comprometida com a causa dos pobres de Javé. Os ANAWIN, que é uma palavra hebraica, que aparece na bíblia, para referir-se aos pobres como aqueles desprovidos de bens materiais, que experimentam o sofrimento e a injustiça por causa da sua condição de pequenez, fragilidade e dependência.
Conversando tempos atrás com alguns membros de uma congregação religiosa que trabalha aqui no Mato Grosso com os povos indígenas, eles demonstravam a sua decepção com relação aos padres novos, que estavam sendo ordenados. Grande parte deles, estavam mais preocupados com a roupa de grife, celular de última geração. Ligados às famílias de maior poder aquisitivo e morando em cidades grandes, de preferência naquelas que tinham shopping Center. Nenhum deles com predisposição para trabalhar pela causa indígena, razão pela qual, eles teriam que devolver à diocese, as casas de missão, inseridas nas aldeias indígenas. Com a idade avançada, já não lhes é permitido permanecerem neste tipo de trabalho.
Na cerimônia realizada na quinta feira santa é instituída a eucaristia, ou a última ceia, que foi celebrada à noite correspondendo a ação de graças pelas dádivas que, antes de morrer, Jesus nos deixa: a EUCARISTIA, o SACERDÓCIO e o MANDAMENTO DO AMOR. Nesta celebração, repete-se o gesto de serviço de Jesus, lavando os pés dos discípulos, afim de mostrar-lhes como a humildade e o serviço são as expressões mais concretas do verdadeiro amor: “O meu mandamento é este: amem-se uns aos outros, assim como eu amei vocês.” (Jo 15, 12).
Ou seja, antes de falar do sacerdócio de forma teórica, Jesus mostra o exemplo a partir do serviço prestado ali naquele momento, lavando os pés dos discípulos. Este tipo de serviço era desempenhado pelo escravo. Desta forma, Jesus associa o sacerdócio ao serviço à causa dos pequenos. Amor que se traduz no gesto concreto de estar com os pequenos até as últimas consequências.
Tenho um grande amigo, o padre Severino, por quem nutro grande admiração. Não podia ter outro nome melhor. Vive a sua VIDA SEVERINA, junto aos Sem Terras do MST, bem ao estilo dos escritos de João Cabral de Melo Neto. Tempos atrás, Severino mostrava a sua preocupação, com relação aos padres mais novos, que estão mais interessados no alinhamento do clérgima com a roupa do corpo do que com os escritos do papa Francisco, principalmente na sua proposição de uma Igreja em Saída, que vai “aonde o povo está”. Alias o Papa foi bastante duro quando, no inicio de seu pontificado, disse que não gostaria que os padres transformassem as sacristias de suas igrejas em embaixadas do sacramento. Muitos destes padres, além de não lerem o que o papa escreve, ainda fazem ouvidos moucos às suas falas.
Definitivamente, ser sacerdote não é fácil. Ser sacerdote ao estilo da proposta de Jesus, mais difícil ainda. Cumprir uma missão de serviço, de doação numa igreja libertadora, sendo instrumento de transformação, é para poucos. Dizia-me outro padre, é um tal de Santa missa pra cá, santa missa pra lá e de pouca eficácia e participação na vida daqueles que sofrem, inclusive com o abando da Igreja. Quem sabe, depois dessa pandemia, voltemos com novos olhares, novas atitudes e novas perspectivas, em relação aos “pobres de Javé.”