Julho chegou ao seu final. Mais um mês transcorrido de enfrentamento da pandemia. Um sábado encerrando o mês, em que as escolas, com a sua educação remota, estão em recesso. Recesso também que envolve o judiciário e o parlamento brasileiro. Felizmente, na terça feira próxima, a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI), que investiga os inúmeros crimes, envolvendo o enfrentamento da pandemia, pelos nossos governantes, também retorna os seus trabalhos. Muita expectativa quanto aos resultados a serem alcançados, frente ao triste cenário de tantas mortes de irmãos e irmãs nossas negligenciadas.
Mesmo diante de uma fria manhã, me fiz presente mais uma vez na sepultura de nosso profeta Pedro. O “guardião da causa indígena”, como gostava de afirmar o Povo A’uwé (Xavante). Rezei com ele e por ele. Aproveitei para trazer presente, tantos amigos e amigas, que tem me acompanhado nesta minha trajetória de vida, aqui pelas bandas do Araguaia. Diante do contexto, impossível não lembrar de uma das falas de Jesus: “Eu sou a ressurreição e a vida; quem crê em mim, ainda que esteja morto, viverá; E todo aquele que vive, e crê em mim, nunca morrerá. (João 11,25-26). Do meu lugar de oração, avistei ao fundo a Ilha do Bananal, com os seus ipês floridos, emoldurando aquele rico cenário.
Pedro vive e está presente no meio de nós! Profeta, místico e poeta dos pobres do Araguaia! No mês de agosto, estaremos celebrando um ano de sua páscoa, na Páscoa do Ressuscitado. Passou muito rápido. Perdemos um grande e fiel representante da Igreja dos pobres. Entretanto, seu legado continua naqueles e naquelas que acreditam na caminhada de uma Igreja povo de Deus, seguindo nas mesmas pegadas de Jesus de Nazaré. Como Dom Hélder mesmo nos alertou, “Não deixe cair o profetismo.” Profetismo resiliente, que corre nas artérias de tantos e tantas, que seguem resistentes na luta por um mundo mais justo, igualitário e fraterno, de uma fé, movida pela teimosia revolucionária de Pedro.
Profetas e profetisas do Reino. Quantos deles e delas, não entregaram suas vidas pelas mesmas causas de Jesus de Nazaré. Homens e mulheres que não mediram esforços, como mártires da caminhada. Iguais a Dorothy Mae Stang (1931-2005), mais conhecida como Irmã Dorothy. Uma religiosa estadunidense naturalizada brasileira, que participava da Comissão Pastoral da Terra (CPT) da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB). Estava presente na Amazônia desde a década de setenta, junto aos trabalhadores rurais da Região do Xingu. Foi brutalmente assassinada no ano de 2005, a mando do latifúndio impiedoso. Profetisa Dorothy, presente na caminhada!
Aproveitei o dia de ontem para assistir novamente o filme “O ANEL DE TUCUM”. Esta brilhante obra lançada pela Verbo Filmes no ano de 1994, com direção e roteiro de Conrado Berning. Por incrível que pareça, um filme providencial para os dias de hoje. Já assisti inúmeras vezes. Sempre que o assisto, me vem uma saudade dos tempos que coordenava a Oficina de Mamulengos, nos primeiros anos do Curso de Verão do ainda Cesep. Ali, no filme, está registrada a participação dos cursistas que, naquele ano, tratávamos da temática “Ética Capitalista” (Luiz Eduardo Wanderley). Mesmo sem aparecer o meu corpo no filme, minha voz se fez registrar na pessoa de um daqueles bonecos.
Neste filme, há uma participação especial de Pedro. Mal sabia eu que seria uma das testemunhas oculares da gravação, quando a equipe da Verbo Filmes, esteve aqui, em São Félix do Araguaia, para gravar a participação de nosso profeta. Numa das falas de nosso bispo, ficou estigmatizado o porquê do anel de tucum, como símbolo de luta daqueles que acreditam num outro mundo possível: “(…) este anel é feito a partir de uma palmeira da Amazônia. É sinal da aliança com a causa indígena e com as causas populares. Quem carrega esse anel significa que assumiu essas causas e, as suas consequências. Você toparia usar o anel: Olha isso compromete, viu? Muitos, por causa deste compromisso foram até a morte (…)”
Profetas que deram a vida pelo Reino. Ontem e hoje. Como João Batista que foi degolado por Herodes Antipas, narrado pela Comunidade Mateana, na liturgia deste sábado (Mt 14,1-12). Aquele cujo pai, Herodes, O Grande, ordenara a morte de todos os bebês do sexo masculino, com até dois anos de idade, em Belém, na tentativa de acabar com a vida de Jesus. (Mt 2, 16) Daí percebemos que se tratava de uma família de criminosos inescrupulosos e sanguinários. Família de “gente quase boa”, como as muitas “pessoas de bem” dos dias atuais. A morte brutal do Precursor, prenuncia a morte de Jesus. Isso porque, tanto João como Jesus, colocam em perigo os princípios éticos da sociedade daquela época.
Profetizas da esperança e da resistência, que souberam caminhar com esta nossa Igreja de São Félix do Araguaia, arriscando suas vidas pela causa maior. Tantas mulheres que, com Pedro, deram muito de si, na caminhada de uma Igreja empoderada pela força feminina e feminista, ocupando o lugar de fala das mulheres, rompendo as barreiras do poderio clerical machista. Elas eram maioria, não somente na vida das comunidades, mas também à frente das decisões, como Pedro fazia questão que assim o fosse. Não vou nominá-las, para não incorrer no erro de algum nome esquecer, mas em nome da Tia Irene (Irmã Irene Franceschini), reverencio cada uma delas, profetisas da utopia do Reino.