Iniciamos mais uma terça feira, aqui pelas bandas do Araguaia. Uma manhã fria, atípica para esta região que se acostumou a viver com temperaturas sempre mais elevadas. Acordei com os pássaros, bem mais cedo que nos outros dias, para acompanhar bucolicamente o amanhecer com os meus hospedes de sempre. O frio inibe a eles e também a mim. Somente a minha memória não se deixou inibir-se, pois acordei com o pensamento voltado para um dos poemas de um dos maiores representantes do Modernismo português, Fernando Pessoa (1888-1935).
“Tudo vale a pena se a alma não é pequena”, dizia o poeta. Sim, quando a alma dita a nossa força interior, sabemos do quanto somos capazes tornar a nossa existência gigantesca. Revestidos desta força interior, fazemos a diferença em nossas vidas e na vida das demais pessoas. É esta mesma força que nos qualifica com as propriedades do amor, doação, generosidade, solidariedade, partilha, gratuidade, que são expandidas através das nossas ações cotidianas, vencendo todas as barreiras do egoísmo e deixamos transparecer a nossa força interior. Quando a alma não é pequena, o ser também não se faz pequeno. Por razoes como estas que o romancista suíço Édouard Rod (1857-1910) tenha dito que: “No fundo de cada alma há tesouros escondidos que somente o amor permite descobrir.”
Tesouro que levou um casal de amigos a repensar sua trajetória de vida a dois. O filho único de 11 anos do casal, estava vivendo seus últimos dias de vida, padecendo num leito de hospital, vítima da Leucemia. Os dois ali, acompanhando o calvário daquela frágil criança, se despedindo do mundo. Num dado momento, a criança ainda lúcida, pediu que os três se dessem as mãos. Em seguida, pediu aos pais que, em nome do amor que tinham para com ele, não se separassem, como estava prestes a acontecer. Após este pedido, a criança realizou a sua páscoa, dando o seu último suspiro. Os casal viu o chão fugir de seus pés, num terrível choque de realidade, suficiente o bastante para repensarem a vida a dois, e dali saírem fortalecidos, cumprido o último desejo daquela criança, com amor renovado. Na época, enviei aos dois esta bela canção do padre Zezinho.
Quando a alma não é pequena, como a daquelas crianças que, todos os dias, levava flores a uma professora amiga, de uma das cidades do interior de Minas Gerais. Todos os dias, as crianças cumpriam este ritual. Todos os dias esta minha amiga ganhava flores. E ela se sentia lisonjeada com tamanho carinho de seus alunos. Até o dia que descobriu de onde vinham as tais flores. A caminho da escola, as crianças passavam pelo cemitério e dali retiravam as flores, que eram, posteriormente, levadas para a querida professora. Ao invés de ficar zangada, minha amiga, demonstrou a grandeza de sua alma, ao convencê-los de que não deveriam retirar dali as flores, pois deixavam os mortos que ali estavam enterrados muito tristes.
Mas quando a alma se apequena, nos comportamos como aquela jovem que, numa das madrugadas em uma área nobre da cidade grande, destratou ferozmente os policiais que ali estavam para pôr fim a uma festa clandestina. Isso em plena pandemia, em que muitos que ali estavam aglomerados, sequer usavam máscaras de proteção. Esta pequena alma, disse impropérios preconceituosos contra os policiais, fazendo valer os protocolos de segurança. Paciência! Temos que dar o desconto. A pobre alma, deu mostras de pensar com a parte do corpo a qual ela procura ganhar a sua vida de modelo fotográfico.
Jesus e sua alma grandiloquente. Ele também se sente frustrado diante das pessoas as quais está possibilitando concretamente um horizonte novo para as suas vidas. Ele se dando por inteiro àquelas pessoas, e elas nem sequer reconhecem o seu esforço. Pessoas de alma pequena. Os habitantes de Corazin, Betsaida e Cafarnaum, não conseguem perceber a vida nova, que Ele está trazendo para eles. A auto-suficiência e orgulho deles, falando mais alto, e não conseguem reconhecer a presença do Reino nas ações realizadas por Jesus de Nazaré. Situação que também nos defrontamos nos dias de hoje. Recusamo-nos em reconhecer a ação libertadora de Jesus na história. Abraçamos tantas outras causas e deixamos de fazer a adesão ao Projeto de Deus revelado por Jesus, ao não aceitarmos caminhar com os nossos irmãos e irmãs de caminhada. Quando a alma é pequena demais, muitos dos nossos pequenos pensam com a cabeça dos grandes, fazendo eco com as palavras ditas pela escritora, filósofa, ensaísta e feminista francesa Simone de Beauvoir (1908-1986): “O opressor não seria tão forte se não tivesse cúmplices entre os próprios oprimidos.”