Quando a justiça é nossa medida

Sextou (25) mais uma vez. Bem que eu gostaria de ter começado o meu dia, rezando com o nosso profeta Pedro, em sua singela sepultura, mas a chuva não me permitiu estar lá com ele. Estou precisando de serenidade como muitos estão. A pandemia tem nos assustado por demais. A cada dia que passa, estamos mais fragilizados diante dela. O vírus segue aprontando das suas. Ontem, por exemplo, tivemos confirmadas 1.541 mortes por Covid-19. O trágico é que esse é o segundo dia em que mais se registrou mortes em toda a pandemia. Lembrando que o maior número foi registrado em 29 de julho de 2020, quando 1.595 vidas perdidas passaram a fazer parte das estatísticas.

Quanta tristeza recai sobre nós! Como manter a serenidade e a paz de espírito diante deste contexto? Como agir diante de tamanha tragédia que a cada dia tira do meio de nós, as pessoas que mais amamos? O que machuca mesmo e deixa o nosso coração apertado, é ver o sarcasmo daqueles que deveriam cuidar, para que tantas pessoas não perdessem as suas vidas. Nestas horas não consigo ver mais o sorriso irônico do mandatário da nação e nem os jornalistas televisivos que contribuíram significativamente para que chegássemos onde estamos.

Mas não quero ficar aqui lamuriando. A vida segue o seu transcurso e precisamos estar bem para o enfrentamento dos desafios que temos pela frente. Hoje, rezei com os textos da liturgia diária. Se bem observarmos, Jesus pegou pesado no Evangelho, que hoje, excepcionalmente, nos traz a narrativa da comunidade de Mateus (Mt 5,20-26). Nela, o Nazareno vai direto ao assunto afirmando: “Se a vossa justiça não for maior que a justiça dos mestres da Lei e dos fariseus, vós não entrareis no Reino dos Céus”. (Mt 5, 20) Os fariseus de ontem e de hoje, são exímios cumpridores desta lei. Jesus os contrapõe e vai dizer que a lei não deve ser observada simplesmente por ser lei, mas por aquilo que ela realiza de justiça. Para Jesus, o que mais importa não é o cumprimento da lei em si, mas o compromisso de buscar nela inspiração para a justiça, a misericórdia, a compaixão, a amorosidade, afim de que as pessoas possam ter vida e relações mais amorosas e fraternas no cotidiano.

Refletindo sobre o contexto desta fala de Jesus, me veio a mente, inevitavelmente, a letra do “Pai Nosso dos Mártires que diz exatamente assim: “Perdoa-nos quando por medo ficamos calados diante da morte.” O calar-se é deixar também de cumprir aquilo que Jesus está nos pedindo. Calar significa que somos coniventes com o massacre de pobres, inocentes e indefesos, diante da crise sanitária que se instalou entre nós. Como somos discípulos e discípulas do RESSUSCITADO, não dá para cruzar os braços e dizer que não temos nada a ver com isso. Se assim agirmos, estamos deixando de cumprir a Justiça do Reino e, consequentemente, não entraremos nele. Lascou!

Este é o tipo de missão que não a desenvolveremos de maneira isolada. Sozinhos, somos fracos e não iremos muito longe. Na medida em que unirmos as nossas forças, teremos inclusive mais vontade de lutar. Nestas horas precisamos aprender com o Povo Xavante. Apesar de ser um povo que se organiza de forma clânico, onde cada clã trilha a sua trajetória própria, na hora de unir as forças, em torno de um objetivo comum, todos estão prontos para a luta e somam forças conjuntamente. Como eles mesmos dizem, seguimos a experiência das formigas, quando vem a enchente. Elas se unem umas as outras e uma delas se agarra a um galho de pau. Assim que surge a oportunidade de todas se livrarem da enchente, elas assim o fazem e todas se salvam.

Mesmo juntando as nossas forças, precisamos também contar com a força de nosso Deus que conosco faz caminhada pelas estradas da vida. ELE se faz presente nos becos da vida de nossa história, e não nos deixa a sós. Assim finalizei a minha oração Invocando um dos poemas do nosso bispo Pedro “Ruah, Vento de Deus”, que o padre Cirineu Kuhn, Svd, musicou e prestou a Pedro uma linda homenagem póstuma. “Tu que sopras onde queres, Vento de Deus gerando vida, Sopra-me, sopra-me, Sopra-me, Sopro fecundo, Sopra-me, sopra-me, Sopra-me, Sopro fecundo.” Que venha tua Justiça, Senhor! Que venha a justiça do teu Reino e faz de todos nós, instrumentos da sua vontade!