Quando o amor é vertical

Sexta feira da Vigésima Semana do Tempo Comum. A última sexta feira de agosto que já vai caminhando para os finalmente. Como dizem por aqui, agosto voou. Pensamento que também acompanhava a sabedoria de meu amigo Deodato, “os tempos de hoje passam mais rápido que antigamente”. Certo é que precisamos estar atentos ao viver bem e intensamente cada dia, cada momento, pois ao piscar dos olhos, aquele momento já não existe mais. Como nos aconselhava o poeta e dramaturgo inglês William Shakespeare (1564-1616): “…sempre devemos deixar as pessoas que amamos com palavras amorosas; pode ser a última vez que as vejamos”.

Amanheci na companhia de Pedro e José Pontin. Ali, acordamos o dia, já que o sol, preguiçosamente, veio nos apresentando o dia, incandescente como quê. O astro rei nos premiando com mais de um sol para cada pessoa. No clima de paz daquele espaço sepulcral, rezei em forma de poemas de amor, enaltecendo o Criador pelo dom da vida e pelo privilégio de ter convivido com pessoas tão especiais. Como a temática de hoje é o amor, Pedro foi alguém que amou acima de qualquer medida, acreditando ser muito pobre aquele amor que se pode medir, como ele mesmo definiu assim em um de seus poemas: “Tenho menos paz que ira/Tenho mais amor que paz”.

Amor que se define. Amor que não se mede. Amor de concretude, mais que de intenção. Amor de revolução embasado na radicalidade evangélica do poder/serviço. Amor paulino, envolvente e que dá sustentabilidade a uma fé engajada: “O amor é paciente, o amor é prestativo; não é invejoso, não se ostenta, não se incha de orgulho. Nada faz de inconveniente, não procura seu próprio interesse, não se irrita, não guarda rancor. Não se alegra com a injustiça, mas se regozija com a verdade”. (1Cor 13,4-6) O amor sendo o caminho que ultrapassa todos os dons. O amor como mandamento que é a fonte de todo comportamento verdadeiramente humano,

Amor como mandamento que gera contendas e discórdias. Pelo menos é assim que os fariseus o veem, no seu dialogo hoje com Jesus. Mateus nos apresenta mais uma das controvérsias dos lideres religiosos com Jesus. “Especialistas” em Lei, eles querem saber de Jesus: “Mestre, qual é o maior mandamento da Lei?” (Mt 22,36) Pouco importa a resposta de Jesus, pois o que mais desejavam era colocá-lo em uma situação difícil, embaraçosa, já que a sua resposta, certamente desagradaria a um dos lados: saduceus ou fariseus.

O amor de Jesus passa pela cruz da entrega, da doação e do serviço. Amor de cruz que possui os dois vértices: vertical e horizontal. Vertical direcionando para o Ser Supremo que é Deus; e horizontal que abrange a convivência humana nas relações a serem estabelecidas na convivência em sociedade. Amar a Deus é amar ao próximo. Mais do que isto, amar ao próximo, como cada um deve amar a si mesmo. Quem não ama a si mesmo, jamais será capaz de amar a quem quer que seja. Amar ao outro saindo de si mesmo e indo ao seu encontro com todas as suas limitações. Os falsos e mentirosos amam somente a Deus, mal sabendo que este amor de nada vale, se não passar pelo amor a quem próximo dele está. Lei sem amor é sofreguidão.

“Amarás o Senhor teu Deus de todo o teu coração, de toda a tua alma, e de todo o teu entendimento!” “…Amarás ao teu próximo como a ti mesmo”. O amor é a força de Deus e também a força da pessoa aliada a Deus. É a fortaleza imprescindível que dá sustento e força ao testemunho dos que creem e amam, pois “tudo desculpa, tudo crê, tudo espera, tudo suporta” (1Cor 13,7) O coração de quem ama transcende o tempo e o espaço, porque nele está a vida do próprio Deus. Amor sem medida. Não queira medir o seu amor, mas se atenha a forma e a intensidade de seu jeito de amar. Amar até as últimas consequências.

O amor é como uma via de mão dupla. Ao mesmo tempo em que nos conduz a Deus, nos encaminha para a vida do outro, do irmão e da irmã. Quando o amor é apenas vertical, ele perde a sua essência, já que o complemento ficou pelo caminho. Na sua eximia pedagogia dialógica libertadora, Jesus resume a essência e o espírito de toda a vida humana num ato único com duas faces inseparáveis: amar a Deus com a entrega total de si mesmo, porque o Deus que é amor, verdadeiro e absoluto é um só. Ao entregar-se a Ele, a pessoa sai de si mesma. O dinamismo da vida é o amor que estabelece as relações entre as pessoas, formando os dois vértices da cruz, criando uma sociedade cada vez mais justa, fraterna e mais próxima do Reino de Deus. Optar pelos pequenos da terra e sendo amorosos com eles como nosso bispo Pedro nos ensinou: “Ser o que se é, falar o que se crê, crer no que se prega, viver o que se proclama até as últimas consequências”.

 


Francisco Carlos Machado Alves conhecido como Chico Machado, foi da Congregação do Santíssimo Redentor, os Redentorista, da província de São Paulo. Reside em São Felix do Araguaia no Mato Grosso e é agente de Pastoral na Prelazia de São Felix desde 1992. Sua atividade pastoral é junto aos povos indígenas da região: Xavante, Kayabi, Karajá, dentre outros. Mestre em Educação atua na formação continuada de professores Indígenas, nas escolas das respectivas aldeias.