Os dias ainda são muito difíceis para nós. Assistimos a destruição da floresta, incrédulos e impotentes, sem saber o que fazer. Apesar de a chuva ter chegado à região, ainda temos muitos focos de incêndio que continuam devorando a floresta. A individualidade tomou conta de algumas pessoas, que a tem como grande valor. Isto se torna evidente numa das falas que ouvi esta semana: “o problema da Amazônia não é meu, mas dos índios que vivem lá. Eles que tocaram fogo, que se virem agora para apagar” Como se esta destruição não nos afetasse a todos, onde quer que estejamos.
Hoje não segui a liturgia própria do dia. Não sei por que, mas levantei com uma pergunta na minha cabeça. Aliás, esta pergunta nem é minha. Esta pergunta fora feita à Jesus por um doutor da lei: Quem é o meu próximo? (Lc 10, 29) Sabiamente, Jesus não o responde de pronto, mas o devolve a pergunta dizendo: o que está escrito na lei? (Lc 10, 26) Numa evidente atitude para que ele mesmo chegasse à conclusão, de quem seria o seu próximo, já que era um especialista na Lei. “Amar a Deus e amar ao próximo (Lc 10, 27).
Esta é a pergunta que todos nós deveríamos nos fazer: Quem é o meu próximo, afinal? Geralmente quem faz este tipo de pergunta é alguém que não está interessado em fazer muita coisa pelo outro. É um tipo de desculpa para denotar que alguns de nós estamos pouco nos importando com o outro, que está passando algum tipo de necessidade. E para estas situações, encontramos uma frase feita, muito em voga: o problema não é meu. Cada um pra si.
O individualismo está tomando conta das nossas vidas. Este individualismo está devorando as nossas entranhas, a ponto de tornar-nos cegos frente à situação do outro. Alguns até o tem como uma grande virtude, fechando sobre si mesmos. Esquecemo-nos de que somos todos irmãos e irmãs uns dos outros. Precisamos vestir a roupagem da solidariedade, para com os crucificados sofredores de nossa história. Neste sentido, a solidariedade, antes de ser uma virtude cristã, como muitos até chegam a pensar, ela é uma atitude supra-humana. Sentir a dor do outro é nos colocarmos no seu lugar para termos uma noção exata do que, de fato, aquela pessoa está passando.
A Campanha da Fraternidade deste ano de 2020 trouxe-nos uma temática bastante propícia para o momento que ora vivemos. A meu ver, foi uma decisão profética a escolha desta temática, diante de uma situação grave de nossa crise sanitária, com esta terrível pandemia, que já nos ceifou tantas vidas. “Viu, sentiu compaixão e cuidou dele.” E ainda continua, “Fraternidade e vida dom e compromisso”. Um grande alerta e desafio para todos nós cristãos, frente à dor e o sofrimento das pessoas. Ver, sentir compaixão e cuidar daqueles e daquelas que estão necessitando da nossa solidariedade, da nossa ajuda. Nosso problema maior é que as pessoas nem sequer conseguem enxergar o outro na sua necessidade, quanto menos sentir compaixão e cuidar.
Nas minhas andanças como padre por aí afora, deparei com algumas situações no mínimo curiosas. Nas Semanas Santas, por onde andei trabalhando, vi muitos católicos chorarem copiosamente, diante das chagas de Jesus crucificado. Pessoas extremamente comovidas, diante do sofrimento pelo qual passou Jesus. Todavia, não consegui ver nestas mesmas pessoas, o mesmo tipo de sentimento, perante àqueles que estavam sofrendo ao seu lado, como verdadeiros crucificados pela pobreza, pela miséria, pela fome, pela falta de trabalho, pela falta de moradia. Nestas horas não tinha como não me lembrar de uma das canções que muito cantávamos nas CEBs: “Seu nome é Jesus Cristo e passa fome, e grita pela boca dos famintos E a gente quando vê passa adiante, às vezes pra chegar depressa a igreja.”
São tantos os que estão precisando da nossa solidariedade. Por aqui estamos procurando ser solidários a dor dos povos indígenas. Muitos estão desesperados, uma vez que, é da terra, da floresta, que retiram o seu principal sustento. Só que esta mesma floresta, não existe mais. Até mesmo os seus roçados foram devorados pelo fogo. Diante da atitude de desabafo de uma das lideranças indígenas, eu tive que me calar. Dizia ela: “A terra é a nossa sustentação. Dela tiramos tudo o que precisamos. Ela é a nossa Mãe, que cuida da gente com carinho. Vocês dizem que são civilizados. Vocês são loucos. Além de vender sua mãe, vocês colocam fogo nela.” Falar o que?