Quando o trabalho dignifica

21º Domingo do Tempo Comum. Como estamos no mês de agosto, que a Igreja Católica dedica à vocação, hoje é um dia muito especial por se tratar do dia dedicado à vocação dos leigos. Eles e elas que tem uma missão importantíssima na Igreja, de levar adiante a proposta de Jesus, Verbo encarnado em nossa realidade humana. Apesar de não serem suficientemente valorizados em nossas comunidades, sobretudo naquelas em que ainda predomina o patriarcado clerical, o texto de Medellín foi profético ao anunciar que: “Os leigos cumprirão mais cabalmente sua missão de fazer com que a Igreja ‘aconteça’ no mundo, na tarefa humana e na história” (Medellín, 10, 2.6).

Na minha oração matinal deste domingo, iniciei rezando por aqueles e aquelas, que perdem os seus preciosos tempos, para lerem os meus rabiscos diários. Isto feito depois de ser alertado pela minha orientadora do mestrado Eunice Dias de Paula, de que eu havia feito uma confusão entre o “Marco Temporal” e a “PL490” no dia de ontem. Como sou um eterno aprendiz, ainda mais diante desta grande conhecedora dos povos indígenas, peço perdão a todos e todas pelo meu equívoco. Apesar de não servir de desculpas, são os efeitos consequentes do meu irmão AVC, que me faz esquecer de algumas coisas no dia a dia.

Basicamente, o “Marco temporal” é um processo que tramita no Supremo Tribunal Federal (STF), que trata especificamente de uma reintegração de posse, movida pelo governo de Santa Catarina contra o povo Xokleng, referente à TI (Terra Indígena) Ibirama-Laklãnõ, onde também vivem indígenas Guarani e Kaingang. A qualquer momento, poderá vir à pauta, depois do pedido de destaque feito pelo ministro Alexandre de Moraes. Em sendo aprovado por aquela Corte, servirá de balizamento para o governo federal e todas as instâncias do Judiciário no que diz respeito à demarcação das terras indígenas, além de servir como diretriz para as propostas legislativas que tratem dos direitos territoriais dos povos originários no Brasil.

Já o Projeto de Lei (PL 490/2007), é algo que tramita no Congresso Nacional faz alguns anos. Na verdade, foi protocolado por um dos deputados aqui de Mato Grosso, no ano de 2007, com o intuito de modificar o Estatuto do Índio (Lei 6001/1973) Tal PL, cria um “marco temporal”, onde só serão consideradas terras indígenas os lugares ocupados por eles até o dia 5 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição Federal. Após ser aprovado no dia 23 de junho, por 41 votos a 20, pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara dos Deputados, segue para o Senado, onde será apreciado. O que importa para os povos indígenas é que tanto um quanto o outro, ferem frontalmente os direitos constitucionais (Art. 231) dos povos originários, permitindo que seus territórios sejam objeto da ação inescrupulosa e nefasta de grileiros, madeireiros, pecuaristas, garimpeiros e o ‘agro-veneno’.

Em meio a tantas reflexões, hoje me vi pensando acerca do mundo do trabalho. Quando se fala do trabalho, a primeira frase que vem a nossa mente é aquela de que “o trabalho dignifica a pessoa humana.” Será? Ficamos nos perguntando se, de fato, o trabalho tem realmente esta dimensão. “Com o suor de teu rosto comerás o teu pão”, diría-nos o Livro do Gêneses. (Gen 3,19). Entretanto, verificando o trabalho humano, desenvolvido nos tempos atuais, percebemos que houve uma grande perda em dignidade. Tudo porque, as relações trabalhistas não são mais as mesmas e o trabalho em si se converteu em mercado. Ou seja, o trabalhador se transformou numa mera mercadoria, deixando de realizar como dignidade humana. O trabalho em si é dignificante, mas as relações que se estabelecem em torno desta mercadoria deixaram de ser. Pelo menos é assim que pensa a Doutrina Social da Igreja (DSI), que a partir do papa Leão XIII, com a encíclica Rerum Novarum (1891). Fundamentado neste importante documento da Igreja, se constata com tristeza e sentimento de dor, como o trabalhador, a trabalhadora, se veem indefesos frente a exploração da sua força de trabalho.

Em si falando de trabalho, voltemos à ação dos leigos e leigas à frente de nossas comunidades, fazendo de nossa Igreja um organismo vivo. Leigas e leigas como vocação e missão a serviço da Igreja de Jesus. Se não fosse a ação destas valorosas pessoas, não teríamos a Igreja que somos nós hoje. Para estes podemos muito bem repetir com Jesus: “Vocês são o sal da terra… Vocês são a luz do mundo” (Mt 5, 13-14). Ainda bem que faço parte de uma prelazia, cuja história mostra que os leigos e leigas, seja na sua atuação como agentes de pastoral, seja como membros das redes de comunidades, fez desta igreja um instrumento vivo de libertação dos pobres, cuja mística e espirito martirial fez acontecer a caminhada de uma igreja povo de Deus construindo a história pelas suas próprias mãos. Cinquenta anos se passaram e ainda sonhamos o sonho de Deus, projetado em Jesus de Nazaré. Uns daqui e outros lá de fora, sonhando juntos a utopia do Reino aqui e agora.

Observação: a título de informação, não postarei os meus rabiscos ao longo desta semana (23-29/08). Iniciarei, nesta noite, a minha viagem à Goiânia, (1.100km), para retorno médico. Consultas e exames ao longo de toda a semana. Peço a oração de vocês, para que tudo corra bem e eu possa voltar ao meu Araguaia querido. (Amicus in veritate et ex corde – Unidos num mesmo caminhar)

 


Francisco Carlos Machado Alves conhecido como Chico Machado, foi da Congregação do Santíssimo Redentor, os Redentorista, da província de São Paulo. Reside em São Felix do Araguaia no Mato Grosso e é agente de Pastoral na Prelazia de São Felix desde 1992. Sua atividade pastoral é junto aos povos indígenas da região: Xavante, Kayabi, Karajá, dentre outros. Mestre em Educação atua na formação continuada de professores Indígenas, nas escolas das respectivas aldeias.