“Quem entra pela porta é o pastor das ovelhas” (Jo 10,2)

Escrevo esta pequena reflexão neste quarto domingo da páscoa, no qual meditamos a passagem do Bom Pastor. Trata-se de uma reflexão intra-eclesial, escrita com o olhar de quem senta-se no banco, junto com tantos irmãos leigos e inevitavelmente tem sua compreensão mediada por esse lugar teológico.

Eu, como presbítero já estive do outro lado do altar, sentado no banco do presidente, e tive por vários anos minhas reflexões diretamente influenciadas por esse lugar teológico. Lugar que me permitia ver e ouvir muitas coisas, mas que também me ocultava tantas outras que hoje, a partir do banco dos leigos, escuto e vejo com clareza. Uma das quais partilho neste escrito.

Pois bem, a partir do lugar teológico dos leigos, percebo que o conceito de participação dos leigos, tão caro ao Concílio Vaticano II, em vários aspectos da vida da Igreja Católica Romana, da qual sou parte, está distante de acontecer. É inegável que a participação laical cresceu imensamente nas últimas cinco décadas, mas há muito que avançar ainda. Aqui me refiro especificamente ao pastor que entra pela porta das ovelhas.

Ocorre que a condução, o pastoreio de uma paróquia, regional, diaconia etc, é confiada a um pastor, a um padre, o qual por alguns anos estará à frente daquela comunidade que existia antes dele chegar e vai continuar depois dele ir para outra missão, tendo uma caminhada histórica entranhada, parte visceral dos que se sentam na frente do altar. Já ouvi e vi muitas vezes acontecer de em havendo transferência de um padre de uma paróquia, o novo pároco acabar por fazer mudanças rápidas e drásticas, que ele, a partir de sua experiência pastoral e conhecimentos, julga totalmente necessárias. Porém, muitas vezes a comunidade tem grande dificuldade em perceber essas urgentes necessidades e acaba acatando as novas decisões por submissão à autoridade imposta.

É sabido que as primeiras comunidades cristãs quando tinham a necessidade de um presbítero-epíscopo reuniam-se em oração e indicavam um de seus membros para essa função tão nobre. Esse costume perdeu-se nos tempos e hoje as comunidades católicas nem sequer são consultadas a respeito da transferência de seu padre ou bispo e da chegada de um novo pastor que lhes será designado. Processo esse conservado em igrejas de confissão luterana.

Um bispo poderia argumentar que ouve o Conselho de Consultores e o Conselho de Presbíteros antes de transferir um padre. Eu perguntaria a esse bispo, quantos leigos das paróquias em questão fazem parte desses conselhos? E o Conselho de Leigos, quando existe, é consultado? Aqui na Prelazia de São Felix do Araguaia por muito tempo não haviam conselhos distintos, existia somente o Conselho Geral, composto por padres, irmãs, agentes de pastoral e leigos dos diversos regionais. Era um processo mais participativo, que hoje, em desfavor dos leigos, está em declínio.

Uma das mudanças bem vistas nos últimos sínodos, como o Sínodo para a Amazônia, ocorrido em outubro 2019, foi a consulta às comunidades. Seria muito bom para uma comunidade paroquial que tem seu pastor transferido, ser colocada a par dos porquês dessa mudança e ser consultada quanto à possibilidade de um novo pastor ser designado para o seu pastoreio, pois enviaria como um dom aquele que foi seu e já desenvolveria um clima de acolhida, de conhecimento, de respeito não forçado, por aquele que chega, aspectos importantíssimos para uma caminhada pastoral. Infelizmente, a realidade está longe do sonho, pois comunidades paroquiais não são consultadas e uma pessoa desconhecida, sem um processo de escuta dos leigos, é colocada de cima para baixo para conduzir o povo. Isso acontece não só com as comunidades paroquiais, mas também com as dioceses, o que é mais grave.  

É como se o pastor estivesse saindo pela janela e o novo entrando no redil por outra parte que não a porta das ovelhas. Se compararmos a comunidade a uma casa (Diretrizes Gerais da Ação Evangelizadora, 2019-2023), é como se os moradores da casa vissem o pai de família ser tirado bruscamente de seu convívio e tivessem que aceitar alguém desconhecido para estar à frente de sua casa, uma atitude de descaso com quem já mora e vai continuar morando ali. Está faltando no processo de mudança de pastor o verbo conhecer, tão caro ao Evangelho deste domingo. Trata-se de um sonho, mas como seria mais conforme o ensinamento de Jesus se houvesse um processo de envio de quem vai e de conhecimento, acolhida, por parte das ovelhas para com seu novo pastor, e também de conhecimento da história, dos caminhos andados por aquela comunidade, por parte do novo padre, antes de este ser posto como guia de sua nova comunidade.

Se queremos uma Igreja participativa, é preciso que essa participação alcance as decisões que verdadeiramente importam. Talvez para quem olha a partir da cadeira da presidência, esta reflexão soe infundada, mas para quem está ao redor da mesa da Eucaristia, ela tem razão de ser.

Jesus, que conviveu por um tempo com os seus antes de se apresentar como Bom Pastor, seja sempre o nosso guia, e que o Evangelho dEle seja a lâmpada a iluminar os caminhos de nossa Igreja.