Sábado da Trigésima Segunda Semana do Tempo Comum. 322º dia do ano. Outros 43 nos aproximam do ano novo. Em meio à primavera com cara de verão, seguimos regidos pela Lua Nova. Mudam-se as fases da lua e nada de chuva, tão comuns aqui em solo amazônico neste período, em outras circunstâncias climáticas. Como a insanidade humana segue destruindo o Planeta, a tendência é a de que veremos coisas acontecerem num futuro próximo. Quiçá possamos aprender a cultivar a vida do Planeta que ainda nos mantém vivos, refletindo naquilo que foi dito pelo escritor francês Antoine de Saint-Exupéry (1900-1944) “A terra ensina-nos mais acerca de nós próprios do que todos os livros. Porque ela nos resiste”.
Resistir, insistir, persistir. Três verbos que precisamos conjugá-los em todos os tempos verbais, na tentativa de enfrentamento de uma realidade que nos diz respeito em gênero, número e grau. No dia de hoje, 18 de novembro, estamos comemorando o Dia Nacional de Combate ao Racismo. Uma data especial para refletir e conscientizar-nos da necessidade da luta pela igualdade racial. No Brasil, o racismo é socialmente definido pela discriminação que as pessoas sofrem, de forma individual ou grupal, por suas características físicas (cor da pele, características do cabelo e/ou outros traços) ou culturais, que remetem a nossa origem étnico-racial. Esse tipo de preconceito tem origem na raiz histórica e social de nosso período colonial, afinal, o escravagismo perdurou por mais de 300 anos e há traços dele até hoje.
A maior expressão do preconceito racial no Brasil está justamente na negação desse preconceito. Somos um país estruturado sobre as bases coloniais do escravagismo. O preconceito é tão forte que sofremos a perversa herança colonial que chamavam os negros de escravos, naturalizando a escravização de seres humanos como se isto já fizesse parte do Ser Negro. Como diria a educadora baiana Makona Valdina (1943-2019): “Não sou descendente de escravos. Eu descendo de seres humanos que foram escravizados!” No dia de hoje precisamos aprender que Não basta não ser racista, é preciso ser antirracista. Estamos entre aqueles países mais racistas do mundo, apesar de nossa população ser constituída de 56,1% de negros, a segunda maior população do mundo.
Dormi esta noite o sono do justo. Sou bom de cama: deito e durmo fácil! Todavia, ainda cansado pela maratona destes dois dias em discussão, na Etapa Regional da CONAEE – Conferência Nacional Extraordinária da Educação 2024. Muitas esperançosas perspectivas para a educação neste decênio 2024-2034. Muitos e bons debates acerca da qualidade social de educação e da valorização dos profissionais da educação. Depois de vencer os 245 quilômetros de estrada de chão, na volta pra casa, fui dormi de alma lavada, ao saber que dei o melhor de mim como educador que defende uma melhor educação, sobretudo para os indígenas nas aldeias e as camadas mais pobres da população. Freiriano convicto que sou, tenho como projeto de vida esta sua máxima: “Ninguém liberta ninguém, ninguém se liberta sozinho: os homens se libertam em comunhão”.
Libertar como a viúva do Evangelho de hoje que foi persistente quanto a seus direitos, frente a um juiz injusto: “Faze-me justiça contra o meu adversário!” (Lc 18,3) o caso desta viúva é emblemático, porque nos remete a condição de Deus em relação a todos àqueles e aquelas que Ele criou, desde os tempos do êxodo quando diz: “vi a aflição do meu povo, que está no Egito, e ouvi o seu clamor por causa dos seus opressores”. (Ex 3,7) Deus é justo e quer justiça sempre, e ainda adverte: “Ai daqueles que fazem decretos iníquos e daqueles que escrevem apressadamente sentenças de opressão, para negar a justiça ao fraco e fraudar o direito dos pobres do meu povo, para fazer das viúvas a sua presa e despojar os órfãos”. (Is 10,1-2) Deus é justo e está do lado dos injustiçados!
“Se você fica neutro em situações de injustiça, você escolhe o lado do opressor”, dizia-nos o arcebispo da Igreja Anglicana da África do Sul, Desmond Tutu. A justiça faz acontecer o direito. A injustiça é a negação dele. A viúva manifestou toda a sua Insistência e perseverança, pois só persistem aqueles e aquelas que estão insatisfeitos com a situação presente e, por isso, não desanimam; do contrário, jamais conseguiriam alcançar seus direitos. Deus está do lado dos fracos e indefesos. A luta pela defesa dos direitos vale a insistência, a resistência e a persistência, fortalecendo-nos com o poder da oração, como a do salmista: “Até quando tomarão decisões injustas que favorecem a causa dos perversos? “Façam justiça ao pobre e ao órfão, defendam os direitos do oprimido e do desamparado”. (Sl 82,2)
Como esta viúva, lutemos pela justiça! Lutar pela justiça é um ato de subversão de quem resiste, insiste e persiste, na teimosia subversiva. De subversão todos nós daqui da Prelazia de São Félix do Araguaia entendemos, uma vez que nosso bispo Pedro já nos dizia: “Me chamarão subversivo. E lhes direi: eu o sou! Por meu Povo em luta, vivo. Com meu Povo em marcha, vou”. Quem está com Jesus, está com Deus e do lado da justiça. Deus atende àqueles e àquelas que, através da oração, testemunham o desejo e a esperança de que se faça justiça. Conscientemente lembrando que a ação de Deus se realiza sempre através da mediação humana. A paz é filha da justiça, prima irmã da esperança. Não há paz sem justiça, não há justiça sem perdão, não há perdão sem amorosidade gratuita do coração que luta pela justiça.
Francisco Carlos Machado Alves conhecido como Chico Machado, foi da Congregação do Santíssimo Redentor, os Redentorista, da província de São Paulo. Reside em São Felix do Araguaia no Mato Grosso e é agente de Pastoral na Prelazia de São Felix desde 1992. Sua atividade pastoral é junto aos povos indígenas da região: Xavante, Kayabi, Karajá, dentre outros. Mestre em Educação atua na formação continuada de professores Indígenas, nas escolas das respectivas aldeias.