Saber e conhecimento

 

Sexta feira de uma manhã muito fria, aqui pelas barrancas do Araguaia. Os termômetros registrando a temperatura de 18 graus, acompanhada de um vento cortante, dando entender, que não era somente aquilo que estava nos termômetros. A sensação era a de mais frio. Todavia, nada se comparado as baixas temperaturas pelo Brasil afora. Mesmo assim, uma temperatura atípica para esta nossa região. Meus amigos lá de fora, riram de mim, quando lhes falei acerca desta nossa baixa temperatura. Isso não é nada, diziam alguns deles.

Não tive coragem de rezar as margens do Araguaia hoje, como sempre faço nas sextas feiras. Fiquei daqui de casa, rezando e olhando para ele. Tive a sorte de ser acompanhado por um corajoso casal de sabias, que entoavam os seus acordes, despertando a manhã fria. Fiquei me lembrando dos irmãos indígenas, que tem o hábito de dormir em suas esteiras, espalhadas pelo chão, ou nas redes. A sorte é que fazem a fogueira dentro de suas próprias casas, para desespero das equipes de saúde. Lembrei-me também de uma das primeiras noites dormidas numa rede. Era exatamente no mês de julho. Nunca passei tanto frio! Nada fazia aquecer aquele fundo de rede. Vi a noite passar, em claro.

Rezei invocando a presença de meu querido São Francisco de Assis. Um dos santos de minha predileção. Por algum tempo, eu até pensei, que tinha entrado na congregação errada, pois desde pequeno, sempre nutri uma profunda admiração pelo “Povorello de Assis.” Dizem, que quando ia a Roma, encontrar-se com o papa, não ficava alojado na cúria vaticana. Ficava entre os pobres, que dormiam ali pela praça, mesmo nas noites mais frias da Itália. Entendia ele, que aquela riqueza da corte papal, era uma afronta aos pobres que, como Jesus, não tinham onde reclinar a cabeça. “As raposas têm suas tocas e as aves do céu têm seus ninhos, mas o Filho do homem não tem onde repousar a cabeça”. (Mt 8,20) Atitude profética daquele homem de Assis.

Francisco, um homem de Deus! Cheio de sabedoria, que provinha do próprio Deus. Os mais entendidos costumam dizer que há uma distinção entre sabedoria e conhecimento. Muitos de nós possuem amplo conhecimento e pouca sabedoria. A grande poetisa goiana, Cora Coralina, costumava dizer que: “O saber a gente aprende com os mestres e os livros. A sabedoria se aprende é com a vida e com os humildes.” Sabedoria que sobrava em Jesus de Nazaré. Sabedoria que provinha de Deus, mas que também foi assimilada na escola da vida dos pobres. O texto trazido por Mateus na liturgia de hoje, mostra-nos Jesus ensinando com sabedoria na sinagoga de sua terra natal. Mas os seus não conseguiam entender como um pobre como eles tivesse tamanha sabedoria, portanto o rejeitam.

Saber e conhecimento, duas coisas distintas, mas que se completam na escola da vida. Ao longo de minha vida conheci muitos professores e professoras que se contentavam apenas com o vasto conhecimento que possuíam. Pessoas que idolatravam os muitos títulos acadêmicos que possuíam, mas desprovidas da sabedoria oriunda das pessoas mais simples e humildes. Pessoas que em meio às culturas ancestrais milenares como a dos povos originários, não se deram ao trabalho, de com elas aprender com os seus saberes. O Estado de Mato Grosso, por exemplo, possui cerca de 47 etnias, mas aqueles que possuem apenas “conhecimentos”, continuam a relacionar-se com estes povos, mantendo o mesmo discurso do colonizador, eivado de preconceito, e os tratando de forma genérica, típica da linguagem do senso comum, desta herança colonial.

Jesus foi rejeitado pelos seus. Todos os profetas do Antigo Testamento também foram rejeitados. Inadmissível para os conterrâneos de Jesus que, sendo um deles, igual a eles, tivesse sabedoria e a autoridade de Deus. O pequeno que não acredita no pequeno. Pobre com cabeça de rico. Os mesmos pobres de direita que ainda acreditam no “mito”, mesmo tendo o conhecimento de que está lhes negando todos os seus direitos duramente conquistados. Falta-lhes sabedoria para conseguir enxergar mais além do cercadinho que os turva a visão do todo. “Eu acredito que o mundo será melhor, quando o menor que padece acreditar no menor.”

Tive um grande mestre em minha vida. Muito me ensinou. Com ele aprendi a sabedoria que brota do chão das nossas vidas. Viveu apenas 55 anos entre nós, mas o suficiente para mostrar-me que a sabedoria também se adquire pelo trabalho. Trabalho que o permitiu sustentar uma rica prole de 13 filhos, sem reclamar um dia sequer. Partiu para casa do pai, para o encontro definitivo com aquela que foi o esteio de sua vida, por longos anos, a mãe dos seus filhos. Um sábio homem de poucos estudos. De uma fé inabalável, muito embora não frequentasse assiduamente nenhuma igreja. Um homem que me ensinou a encarar a vida absorvendo conhecimento e sabedoria, como nos dizia Lao-Tsé: “Para ganhar conhecimento, adicione coisas todos os dias. Para ganhar sabedoria, elimine coisas todos os dias.” Claro que estou falando de meu pai.