Reflexão litúrgica: quinta-feira, 11/01/2024
1ª Semana do Tempo Comum
Na Liturgia desta quinta-feira, 1ª Semana do Tempo Comum, na 1a Leitura (1Sm 4,1-11), vemos que quando os hebreus consideravam a arca da aliança como o sinal visível da presença invisível de Deus, este sinal alimentava sua fé. Nas batalhas a presença da arca dava-lhes a segurança de que o Senhor estava com eles. Depois, pouco a pouco, esmoreceu-se o seu fervor e, com isto, também o respeito e a afeição pela arca. Nessa batalha contra os filisteus, a arca foi esquecida. Só quando perceberam haver sofrido grandes perdas é que se apressaram em retomá-la. Mas, então, a arca não era mais um sinal, porque já não era a fé que lhes alimentava a vida. Consideravam a arca um talismã mágico, um amuleto que os dispensa de rezar, jejuar e converter-se.
Os cristãos podem correr o mesmo perigo. Há os que relacionam sua religiosidade com certos amuletos, a que dão grande valor: crucifixo na parede, bênção da casa, bênção de outros objetos… coisas que só tem sentido quando são verdadeiramente sinais de uma fé que existe no íntimo e é alimentada pelos sacramentos, pela oração, pela caridade.
O Evangelho (Mc 1,40-45), nos fala da cura da lepra e nos mostra como o povo considerava esta doença. Alguém contagiado pela lepra era considerado um pecador, tinha que viver isolado da comunidade, era um excomungado, banido, um ‘morto-vivo’. Nem mesmo, tinha direito ao culto (acesso a Deus), pois se considerava que tinha pecado contra Deus. A lepra era símbolo de marginalização, perigosa fonte de contaminação. As leis existentes não se preocupavam com a cura, só ditavam ‘normas’, por isso geravam a exclusão social e religiosa. É neste cenário, ambiente, que Jesus aparece.
A pobreza e a doença eram uma impureza física e o pecado, uma impureza moral. Se tocasse num impuro, mesmo depois de curado, teria que fazer a purificação no templo por meio do rito de expiação (Lv 5, 5-6), confessar os pecados e sacrificar um cordeiro ou cabrito (custo alto). Geralmente, os pobres não podiam realizá-lo (aí entendemos por que Jesus expulsa os vendilhões do templo e porque Maria e José ofereceram pombinhos). Os pobres e atingidos pela doença acabavam pensando que mereciam o que lhes estava acontecendo, carregavam a culpa, a vergonha e a dor perante os demais. Pesavam sobre eles a culpa e as dores: física e moral.
Jesus, ao se aproximar e tocar neles, desobedece às leis e os liberta de dois pesos: físico e moral. “Tua fé te curou…”, desperta neles o seu valor e dignidade, a consciência dos seus direitos e a esperança de um mundo melhor. Jesus rompe as barreiras do preconceito (tão doentio quanto a lepra). Torna-se marginalizado e não podia mais andar em público. Ele havia previsto, quando mandou o homem embora, pedindo que ficasse calado e se purificasse. Este deveria apresentar-se ao sacerdote para testemunhar contra um sistema que não curava e declarava quem poderia ou não participar da sociedade.
No gesto de Jesus ‘tocar nele’, realiza-se a profecia do Servo de Javé: carregou sobre si os nossos sofrimentos, contraiu o mal que desagrega as forças vivas do homem e assim nos curou na raiz de nosso ser. Carregou nossos pecados e o castigo deles. Isso se realiza, literalmente, em sua paixão e morte, quando morre entre dois malfeitores, ‘fora do acampamento’, fora dos muros da cidade.
Hoje, quem são os banidos, os ‘fora do acampamento’, fora da sociedade, em que se decide por eles e sobre eles, mas sem considerá-los? A sociedade os cria e depois os exclui e marginaliza. Jesus rompe as barreiras do preconceito e resgata a cidadania. Jesus vive, hoje, em todos aqueles que lutam por uma vida melhor, saúde, justiça e dignidade. Jesus está nos grupos organizados: pastorais, movimentos populares e outros segmentos que testemunham a compaixão, a solidariedade, que militam em partidos políticos que exercem o mandato visando ao bem comum, o bem dos excluídos e marginalizados e não só visando a seus interesses, mantendo privilégios e favorecendo a lei do mercado.
Qual a pior das lepras hoje? A lepra da alma é mais contagiosa, arranca a paz da consciência, torna amarga a vida e deixa efeitos trágicos para esta e para outra vida. Sem o devido tratamento, haverá o fim e a morte eterna.
Qual o remédio? Como curar-se? A cura vem pela medicina divina, pela graça de Deus: “Aproximou-se de Jesus suplicando-lhe de joelhos… limpa-me… Jesus compadeceu-se dele, estendeu a mão, tocou-lhe”. O doente não gritou sua condição humana, mas a fé em Jesus, de joelhos, isto é, com autêntica interioridade, humildade. O doente é tocado com carinho, com a medicina do coração.
Dicas para progredir na cura:
1º) Não ficar à distância, alheio aos acontecimentos, “o doente chegou perto de Jesus”;
2º) Tomar a iniciativa, participar, rezar, “de joelhos pediu”, estudar a bíblia, o catecismo: “O conhecimento de Deus é a vida do Homem”.
3º) Tomar cuidado para não legitimar o ditado popular que diz: “Pau que nasce torto, cresce torto e morre torto”, isso seria perder a esperança no humano, perder a fé. Quando alguém diz que o outro não presta, que é um perdido, que não tem jeito, que se deve ficar longe e desistir de ajudá-lo, é perder a fé. Jesus, na cruz, não desiste de acreditar no humano e pede por nós: “Pai, perdoa-lhes porque eles nãos sabem o que fazem”. Se eles te conhecerem, Senhor, certamente, mudarão para melhor. Nossa missão é como a de Jesus: resgatar a aliança com Deus. Exemplo: Se vemos cacos de vidros, logo deduzimos: algo se quebrou. Quem são os cacos e o que se quebrou? Ninguém nasce mau, somos imagem e semelhança do criador. Portanto, pecar contra o irmão (ã) é pecar contra o Criador que, ao criar o ser humano, “viu que era muito bom”.
Boa reflexão e que possamos produzir muitos frutos para o Reino de Deus.
Padre Leomar Antonio Montagna é presbítero da Arquidiocese de Maringá, Paraná. Doutorando em Teologia e mestrado em Filosofia, ambos pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná – PUCPR – Câmpus de Curitiba. Foi professor de Teologia na Faculdade Missioneira do Paraná – FAMIPAR – Cascavel, do Curso de Filosofia da PUCPR – Câmpus Maringá. Atualmente é Pároco da Paróquia Nossa Senhora das Graças em Sarandi PR.