Sentimento de gratidão

Uma das premissas do cristianismo é a gratidão. Ser grato ao que se é, e aquilo que vamos recebendo ao longo de nossa vida. Hoje rezei este sentimento em mim. Fiz uma retrospectiva da minha historia de vida, e percebi que mais recebi do que dei de mim. Neste sentido, Deus tem sido extremamente generoso comigo, ao longo destes anos todos. Diante de um Deus assim, não há como não reconhecer a minha pequenez e saber que preciso crescer muito ainda e que ELE, tem muito que realizar em mim. Gratidão, Senhor por ser este Deus que cuida de mim, com carinho maternal!

Sou mais do que um privilegiado. Privilegiado por estar aqui e agora. Ter feito a opção de vir para trabalhar nesta igreja, foi a decisão mais acertada que fiz na minha vida. Ter convivido com um místico, poeta profeta, sem dúvida foi o melhor que aconteceu na minha história. Aliás, quando recebi a sua proposta de vir para cá (1991, no meu 3º ano de padre), o chão, ligeiramente fugiu dos pés, por não acreditar que Pedro, olhando nos meus olhos, e me quis aqui. Demorei para acreditar que aquele chamado não era um simples sonho. A resposta foi espontânea e imediata: Sim! Eu vou!

Estamos caminhando para o primeiro mês da sua partida do meio de nós. A tristeza ainda não se dissipou, mas a esperança tem sido renovada, a cada dia que vivemos por estas terras, que foi o chão que ele pisou por longos anos. Todos ainda nos lembramos dele, como se por aqui ainda estivesse. Ontem foi mais um dia desses. Alegramos muito no dia de ontem (05). Choramos muito também. Um dia especial para centenas de pessoas, que guardam na memória e no coração, o exemplo de vida deixado por Pedro, nosso eterno bispo de São Félix do Araguaia. Nosso agradecimento aos Claretianos que, das 10h às 12h, promoveu, a live “Paz e Esperança: um tributo a Pedro Casaldáliga.” Quem não viu, tem a oportunidade de ver a gravação que está no Youtube, no Claretiano – TV.

Pedro é um homem de Deus. Durante toda a vida que passou entre nós, ele demonstrava isso, não por palavras apenas, mas nos dizia isso através de cada gesto seu, vivido entre nós. Um homem extremamente fiel no seguimento de Jesus, o Nazareno. Uma confiança profunda nas coisas de Deus. Não se permitia trair nas causas as quais abraçou, e deu a vida por elas. Para conseguir tamanha façanha, entregou-se à oração, numa intimidade profunda, com o PAI da testemunha fiel, fazendo da sua vida um testemunho vivo de entrega e doação.

Um homem pobre com os pobres. Assumiu em vida as causas dos despossuídos e com eles caminhou, anunciando e denunciando todas as formas de opressão, vividas por eles. Pensou e edificou uma Igreja, que estivesse em plena sintonia com a vida dos pequenos. O resto de Israel, deste Estado de Mato Grosso. Uma Igreja que se fazia em forma de redes de comunidades eclesiais, que não tinha apenas o templo como o espaço mais importante, mas que se fazia presente, onde estes pobres de Javé se encontravam. Foi assim que Pedro queria a sua Igreja, na mesma ideia que pensa o Papa Francisco, “Uma Igreja em saída.”

Pedro sempre foi um homem à frente de seu tempo. Um revolucionário sonhador. Sonhou muitos sonhos possíveis. A utopia do Reino sempre esteve presente nas suas ações. Um rebelde de muitas causas. A resistência e a teimosia eram duas companheiras que sempre estiveram junto a si. Como poeta, conseguiu transformar a sua angustia e a sua dor, por ver os pobres sendo massacrados, pela força do latifúndio, em poemas no formato de denuncia profética. “Confissões do Latifúndio” é um destes. 

Um homem que fazia bem todas as coisas. (Mc 7, 37). Em tudo o que colocava a mão era com a qualidade de Pedro. Muitos o admiravam pela sua entrega. Os indígenas, sempre o tiveram como o seu grande guardião. Esta admiração não era somente pelas suas constantes visitas às aldeias, mas principalmente, pela sua luta incansável como no caso dos Tapirapé que reconquistaram o seu território sagrado do “Urubu Branco” e dos Xavante de “Marãiwatsédé” que retomaram o território, 44 anos depois de serem expulsos pelos militares.

Uma Igreja povo de Deus em marcha. Encarnou em si o sonho de Pedro de ser encarnada, anticlerical e com a forte presença dos leigos em ação. Uma igreja feminina e feminista, que teve nas mulheres o protagonismo de uma evangelização pautada pelo rosto materno de Deus. Uma Igreja também política bem na linha do que nos assegurava Dom Hélder Câmara, que dizia alto e bom tom: “Sempre que procura defender os sem-vez e sem-voz, a Igreja é acusada de fazer política.” Gratidão meu Senhor, por estar aqui e fazer parte desta Igreja caminhante na procura do REINO!

Confissões do latifúndio

poema de Dom Pedro Casaldáliga

Por onde passei,
plantei
a cerca farpada,
plantei a queimada.
Por onde passei,
plantei
a morte matada.
Por onde passei,
matei
a tribo calada,
a roça suada,
a terra esperada…
Por onde passei,
tendo tudo em lei,
eu plantei o nada.