Sereis minhas testemunhas

Iniciamos mais uma semana. Estamos na segunda feira (05) da Oitava da Páscoa. Neste período litúrgico a Igreja denomina de Tempo Pascal. Se diz Oitava da Páscoa, que é o conjunto dos oito primeiros dias do Tempo Pascal, iniciados no domingo após a Vigília da Ressurreição. Neste período, sentimos mais fortemente a presença do Ressuscitado entre nós, que nos convoca a ser as suas testemunhas fieis. Ele só permanece vivo por causa do nosso testemunho: “sereis as minhas testemunhas em Jerusalém, em toda a Judéia e Samaria, e até os extremos da terra.” (At 1, 8)

Rezei hoje mais uma vez na companhia das barulhentas maritacas. Dando fim ao que ainda resta dos buritis. Fico impressionado com a força de seus bicos vorazes que devoram até o rígido caroço do buriti. Volta e meia partem em revoada, deixando cair sobre os nossos telhados alguns destes caroços da fruta. A sua algazarra serviu como um canto sinfônico, alegrando ainda mais o meu colóquio com o meu Deus. Oportunidade em que trouxe presente as dezenas de pessoas que pediram que rezasse por elas e pelos seus, nestes momentos de agonia no tratamento desta terrível doença.

Na minha oração trouxe também presente a memória dos 53 anos do martírio de Martin Luther King, assassinado no dia 04 de abril de 1968. Tiraram a vida de um mártir incansável na luta pelos direitos do povo Negro. Lembrando que o significado original da palavra grega mártir é exatamente “testemunha”, tomada no sentido cristão para fazer referência a alguém que testemunha a fé com o próprio sangue, como foi o caso deste grande homem. O testemunho vivo de Luther King não era de uma política partidária, mas profundamente inspirado na sua busca bíblica por justiça, a exemplo dos profetas do Antigo Testamento.

Jesus a testemunha fiel que derramou o seu próprio sangue para estar em sintonia com o Projeto de Deus. Amou profundamente até as últimas consequências. Entregou a sua vida nas mãos de Deus, para que se instaurasse na história humana o sonho de Deus. Sobre este Jesus, que o nosso bispo Pedro sempre se referia como a testemunha fiel. O Crucificado que é Ressuscitado. Foi de sua boca que ouvi pela primeira vez esta expressão tão forte. Segundo ele, nós somos também convocados a sermos testemunhas d’Ele, dando continuidade as suas obras libertadoras.

Pedro também dizia que somos todos e todas pelo Reino. A nossa vida só tem sentido somente se for nesta perspectiva. Imbuídos do mesmo Espírito que guiou toda a missão de Jesus, devemos estar preparados para testemunhar Jesus, dando continuidade aquilo que ele começou a fazer e ensinar. Devemos ser também esta testemunha fiel formando a comunidade de Jesus. Através deste nosso testemunho, Jesus ressuscitado continua presente e atuante dentro da história.

A nossa utopia é o Reino. O Reino se encontra no horizonte dos nossos sonhos. O Reino sonhado com o mesmo sonho de Deus. É para ele que estão voltados o nosso olhar, nossos anseios e expectativas. Não obstante, o Reino não surge do nada e nem de um momento para outro na história, como por um toque de mágica ou milagre. Ele será fruto do testemunho dado por todos aqueles e aquelas que acreditam n’Ele e o seguem nas trilhas da história, perfazendo com Ele a marcha para a vitória. Ele venceu e está vivo. Nós também venceremos e viveremos n”Ele.

Na procura do Reino, depararemos com muitos sinais do anti-Reino. Nem tudo entre nós é presença libertadora do Reino. Um dos sinais do anti Reino vimos acontecer na decisão tomada por um dos membros da Suprema Corte, as vésperas do Domingo de Páscoa, liberando missas e cultos religiosos num dos momentos mais trágicos da pandemia. O magistrado permitiu que seu lado evangélico falasse mais alto, atendendo aos interesses mesquinhos de alguns pastores evangélicos, padres e bispos insanos, que desejam ter os seus templos “cheio$”. Um total desrespeito à vida das pessoas que, provavelmente, mais se infectaram nas aglomerações daí decorrentes.

Tempo Pascal. Jesus pode estar vivo. Depende de nós. Depende do testemunho vivo com as nossas ações concretas libertadoras. Para isso, precisaremos ter em nós as mesmas atitudes que tiveram aquelas valorosas e destemidas mulheres seguidoras de Jesus para onde quer que Ele fosse. Assim como elas, é preciso revestir-nos de muita coragem para dar continuidade ao Projeto de Deus revelado por Jesus. Não nos acovardemos, mas estejamos prontos a sermos testemunhas fieis, dando prosseguimento à obra iniciada por Ele. Que venha o teu Reino, Senhor e que dele sejamos todos protagonistas!