Segundo sábado (13) de fevereiro. Não fosse a pandemia do novo coronavírus, estaríamos em clima de carnaval. A festa mais popular do povo brasileiro. Todavia, neste ano vai ser a festa do recolhimento necessário. Tudo para preservar as nossas vidas e a das pessoas que amamos. Nunca estivemos tanto tempo reclusos em nossas casas. E mesmo assim, o vírus segue fazendo vítimas e tirando a vida de pessoas inocentes. Dentre elas, a dos mais pobres, claro. Os mais abastados tem os seus hospitais particulares, garantidos pelos gordos planos de saúde, já que podem pagar por eles.
Uma destas vítimas fatais foi o indígena Ely Macuxi, que faleceu no dia 21 de janeiro. Ely era um pesquisador, que morreu às vésperas de defender seu mestrado. Num gesto lindo de seu orientador, o Prof. Raimundo Nonato Pereira da Silva (PPGAS/UFAM), em consonância com o Programa de Pós-graduação em Antropologia Social/PPGAS, da Universidade Federal do Amazonas/UFAM, realizou ontem (12) a defesa póstuma da dissertação de mestrado deste indígena. Seu trabalho, intitulado: “RELAÇÕES INTERÉTNICAS EM CONTEXTO URBANO: Coordenação dos Povos Indígenas de Manaus e Entorno – COPIME”. Um sinal claro de lucidez, sensibilidade e esperança, promovido pela Universidade, apontando que ainda podemos sonhar com dias melhores.
Estamos todos fazendo uma grande travessia em nossas vidas. Neste momento, somos mais do que nunca desafiados a sonhar. Sonhar o sonho impossível, mas palpável. Acreditar que o amanhã virá, e nele haveremos de realizar os nossos sonhos. Sonhar, mas com os pés fincados no chão. Sonhar como fez Maria Bethânia nesta bela canção “Sonho Impossível”: “Sonhar mais um sonho impossível. Lutar quando é fácil ceder. Vencer o inimigo invencível. Negar quando a regra é vender”. Compositores: Mitch Leigh / Joe Darion
Sonhar como sonhava Rubem Alves, que sempre nos dizia que a realidade antes de acontecer no chão das nossas vidas, acontece primeiro nos nossos sonhos. O sonho faz parte da vida. Quem não sonha vive pela metade, poderíamos assim dizer. Rubem Alves vai mais longe quando afirma: “Todo conhecimento começa com o sonho. O sonho nada mais é que a aventura pelo mar desconhecido, em busca da terra sonhada. Mas sonhar é coisa que não se ensina, brota das profundezas do corpo, como a alegria brota das profundezas da terra. Como mestre, só posso então lhe dizer uma coisa. Contem-me os seus sonhos para que sonhemos juntos”. Sonhar juntos para construir o novo.
Sonhar o sonho de Deus como Jesus sonhou. Somos discípulos de um grande sonhador que sonhou o sonho de Deus. É Deus mesmo que sonha juntamente conosco. Antes mesmo de você nascer, Deus já sonhava contigo. Neste sentido, um dos salmos assim se refere ao sonho de Deus conosco: “Tu criaste o íntimo do meu ser e me teceste no ventre de minha mãe. Eu te louvo porque me fizeste de modo especial e admirável. Tuas obras são maravilhosas! Disso tenho plena certeza. (Sl 139, 13-14) Sonho de povoar a terra, unir as pessoas em laços de fraternidade, para espalhar o amor. Ou seja, Deus conhece e está presente nas pessoas mais do que elas a si mesmas. Este é o grande mistério que perpassa toda a nossa existência. ELE forma, não só o corpo, mas também o interior e até a história pessoal de cada um de nós.
O sonho de Deus é coletivo e não individualizado. Apesar de pensar em cada um de nós, mesmo antes de nascermos, o seu sonho abrange a todos e só tem sentido no coletivo. “Sonho que se sonha só pode ser pura ilusão. Sonho que se sonha juntos, é sinal de solução”, já cantávamos em nossas canções nas CEBs. Sonhar outro mundo possível, onde a partilha dê lugar ao acúmulo de bens e riquezas. Sonhar um mundo que caibam todos dentro dele. Sonhar a vida para todos e todas, eis o desafio de ser cristão seguidor de Jesus. “Esta mesa nos ensina: / Todo o bem que a gente alcança / em comum devemos pôr. / O remédio, a medicina, / pão e vinho e a segurança / Alegria, fé e amor”. Termino, enfim, com mais esta frase de Rubem Alves com o seu jeito próprio pensar e de sonhar: “Quem é rico em sonhos não envelhece nunca. Pode até ser que morra de repente. Mas morrerá em pleno vôo”.