Sororidade em pessoa

Quarto domingo do Advento. Este é o último domingo antes do Natal. A estas horas o “sapequinha” do menino está dando chutes na barriga da mãe que, desesperada procura um lugar mais seguro para a realização do parto. Imaginamos a agonia de Maria e José, diante daquela situação vexatória, conforme nos relata o evangelista Lucas: “porque não havia lugar para eles na hospedaria”. (Lc 2,7) É tudo o que os pais não gostariam de passar num momento como aquele. Este é o Natal do Menino Jesus. Vai nascer numa situação completamente adversa, enquanto os grandes e poderosos se refestelam em seus banquetes vazios da presença de Deus.

Antes disso, a mãe Maria, mostra a sua grandeza de espírito, sendo solidária à sua prima que também estava grávida. Deus sabe o que faz e escolhe as pessoas certas para fazer parte de seu projeto de vida. Maria, que vivia em Nazaré, na Galileia, ao norte de Israel, desloca-se para visitar sua prima Isabel, que morava na região central do país, nas montanhas de Judá. Estima-se que a distância percorrida por ela tenha sido em torno de 100 a 150 km, o que demandaria umas 32 horas de caminhada. Provavelmente teria feito este trajeto a pé, já trazendo em seu ventre o pequeno Jesus.

Maria, mãe e prima solidária. Sororidade em pessoa! Mulher que manifesta em si toda a sororidade. Uma palavra nova para o nosso vocabulário, que tem tudo a ver com o contexto que nos é narrado pelo evangelho deste quarto domingo do Advento. Sororidade que advém de uma palavra latina “sóror” que quer significar “irmãs”. Ou seja, seria mais do que irmãs, pois a palavra traz em si uma relação forte de irmandade, companheirismo (frater), união, afeto ou amizade entre as mulheres. Esta palavra ganhou notoriedade a partir da luta das mulheres na sua batalha constante, para conquistar a liberdade e a igualdade de gênero que tanto anseiam. Sororidade que ajuda no processo de desconstrução de alguns conceitos sobre as mulheres, típicos de uma sociedade patriarcal e extremamente machista.

Maria que vai de encontro à sua prima, num momento em que ela mais necessitava. Ambas pobres e sem muitos recursos, necessitando assim de gestos que sejam solidários e permeados de sororidade. Naquele momento histórico, acontece o encontro de duas gerações distintas e fundamentais. Uma delas, personificada na figura do profeta João Batista, que vai encerrar um ciclo; de outro a novidade maior com a chegada do Messias, tão aguardada por várias gerações do povo de Israel. Um que vem com a missão específica de anunciar Àquele que haveria de vir. O outro, como porta voz do próprio Deus, veio à frente, preparar o caminho.

Um texto belíssimo com uma das páginas mais interessantes do Novo Testamento. Duas mães grávidas de vida e esperança para todos aqueles e aquelas que acreditam no esperançar de Deus sob a perspectiva da nova vida. No encontro da vida de duas mulheres especiais, até o Espírito Santo se faz presente, prenunciando aquilo que fora dito pelo próprio Lucas: “Porque ele vai ser grande diante do Senhor. Desde o ventre materno, ficará cheio do Espírito Santo”. (Lc 1,15) Só podia mesmo ser um homem especial para anunciar a especialidade do Messias, Verbo de Deus encarnado.

Duas mulheres que nos revelam o lado feminino de Deus. Este é um contexto que nos desafia no cotidiano de nossas vidas. A sororidade encontrada nestas duas mulheres nos faz repensar a nossa caminhada de fé. Precisamos nos abrir ao espírito da sororidade e deixar que o nosso lado feminino de empatia solidária se faça presente nas demandas da vida, de pessoas que necessitam de nosso cuidado. Desenvolver em nós a pedagogia do cuidado. Primeiro conosco mesmo, e também do outro. Cuidar de mim e cuidar do outro. Neste sentido, precisamos estar atentos e não fazer como alguns de nossos irmãos que querem servir a Deus desejando apenas que Ele cuide de nós. Quem é cuidado por Deus está apto a cuidar dos seus irmãos. Da mesma forma que fez Maria que se colocou à disposição com sororidade em pessoa, mesmo estando grávida, rompendo inclusive a distância física para estar lado a lado com aquela que necessitava de si.

Essa “comadre de Nazaré” fez a diferença com a sua sororidade. Mulher solidária em todas as circunstâncias. Fez-se servidora pelas estradas da vida para aqueles que mais necessitavam de sua presença amiga. Que ela nos ensine a arte de servir sempre, num mundo em que as pessoas estão mais interessadas em serem servidas. “Maria, mãe dos caminhantes. Ensina-nos a caminhar. Nós somos todos viajantes. Mas é difícil sempre andar”. Como ela, também saibamos acreditar e nos colocarmos nas mãos de Deus, para que Ele Faça de nós, instrumentos de sua vontade: “Bem-aventurada aquela que acreditou, porque será cumprido o que o Senhor lhe prometeu”. (Lc 1,45)


Francisco Carlos Machado Alves conhecido como Chico Machado, foi da Congregação do Santíssimo Redentor, os Redentorista, da província de São Paulo. Reside em São Felix do Araguaia no Mato Grosso e é agente de Pastoral na Prelazia de São Felix desde 1992. Sua atividade pastoral é junto aos povos indígenas da região: Xavante, Kayabi, Karajá, dentre outros. Mestre em Educação atua na formação continuada de professores Indígenas, nas escolas das respectivas aldeias.