Sou feliz no Araguaia

Sábado da sexta semana da páscoa. Domingo já celebraremos a Ascensão do Senhor. Excepcionalmente, não postei ontem os meus rabiscos, como venho fazendo, desde o início da pandemia, quando me propus a ajudar as pessoas a refletirem neste atual contexto em que estamos vivendo. Todavia, nada de textos acadêmicos, bem elaborados, apenas alguns meros rabiscos, no intuito, quiçá, de provocar a reflexão. Espero que tenha alcançado tal objetivo ao menos.

Ontem fui visitar as escolas das aldeias Iny (Karajá), localizadas na Ilha do Bananal (TO): Jk, Santa Isabel e Fontoura, Araguaia abaixo. Aproveitei do ensejo para entregar aos diretores destas respectivas escolas, alguns notebooks, doados pelos amigos da União dos Ex-seminaristas Redentoristas (UNESER). A ideia inicial, era entregar estes notebooks a alguns professores, para o seu uso pessoal. Entretanto, eles mesmos chegaram ao consenso de que seria melhor deixá-los na escola, para o usufruto de comum de todos. Achei fenomenal a ideia deles e assim o fizemos.

Antes, porém, passei pela sepultura de nosso pastor, para tomar a sua benção e rezar um pouco consigo. Feito isto, embarcamos no barco e lá fomos nós. O Araguaia sempre belo, nos acolhendo e nos conduzindo ao destino traçado. Um sol escaldante ao longo de todo o dia, mas nem isso tirou a nossa alegria. Sou feliz no Araguaia! Este rio e a realidade que o cerca me completam. Eu não seria o mesmo se estivesse distante desta realidade. Os povos indígenas e as suas causas, correm velozes em minhas veias. Pedro foi quem injetou em meu espírito o zelo pela causa indígena, sobretudo da educação escolar indígena. Os povos indígenas são a maior riqueza cultural do Brasil. Pena que muitos não os conhecem, e o pouco que conhecem, sofre a predominância do preconceito e a marginalização.

Já era quase noite quando retornamos à São Félix. Estávamos cansados, mas movidos pelo prazer de ter cumprido a nossa missão. Fui dormir sonhando acordado com tudo o que avistei ao longo do dia de hoje, descendo e subindo o majestoso Araguaia. Como no caso do enorme boto, que quis participar de nossa alegria e veio acompanhando o nosso barco por um longo período. Aqui e acolá, chegava mais perto, e soltava seu suspiro característico. Ele também estava feliz como nós. O Araguaia é minha vida. Dai a razão pela qual não abandono isto daqui por nada deste mundo. Bem fez Pedro ao ser sepultado as margens dele, para passar sua eternidade contemplando-o.

Mesmo neste clima de pandemia, encontrei as aldeias em festa. O povo Iny continua risonho como sempre. Riem de tudo e de todos. Tudo é motivo para o riso. Um povo de riso fácil. Quem não os conhecem, pensa que eles estão rindo de você. E estão mesmo. Mas riem deles também. O estado de humor está sempre presente em cada um deles, da criança ao mais velho. O riso corre em suas veias de forma muito natural. Riram muito dos meus cabelos brancos. Falaram que estava faltando um pouco de óleo de tucum sobre eles. Foi quando uma anciã veio e untou a minha cabeça, irradiando o aroma do tucum, falando muitas palavras em sua língua materna. Achei muito carinhosa a atitude dela, com o seu gesto espontâneo.

Estar de volta às aldeias era o que estava me faltando, neste momento de isolamento social. Neste clima de pandemia, vendo tanta notícia triste, esta foi a melhor forma para recarregar as energias. E de novo acreditar que o melhor ainda está por vir para todos nós. Chega de tanta desgraça, desmandos e irresponsabilidades! Deus tem sido muito generoso para comigo. Ele tem me dado mais do que tenho merecido. Faz muito sentido a dica que nos é dada por Jesus no texto do evangelho de hoje: “Pedi, e recebereis; para que a vossa alegria seja completa” (Jo 16,24).

É indescritível o carinho como sou recebido pelos professores nas escolas das aldeias. Há um respeito muito grande por parte deles para comigo. Fico até mei sem jeito por causa disso. Diferentemente de nossa realidade aqui fora, em que as pessoas geralmente agem por inveja, orgulho e vaidade, eles demonstram exatamente o contrário disso. Eles demonstram a gratuidade no relacionar-se conosco. Gostam gratuitamente. A mim chamou por demais a atenção os olhos deles brilhando diante da doação dos notebooks para suas escolas. E isto não tem preço. Neste sentido, sou a pessoa mais feliz e realizada do mundo, por estar aqui no meio deles e poder beber um pouco desta sua cultura ancestral milenar. E ara concluir, quero pedir perdão aos que lêem estes meus rabiscos de hoje, que me perdoem pelo fato de falar de mim mesmo. É que a alegria que habita o meu coração falou mais alto no dia de hoje. Amanhã tentarei voltar ao meu “normal”.