Suicídio é coisa de quem não tem Deus no coração?

Para muita gente o suicídio decorre sempre da ausência de Deus na vida das pessoas. Essa é uma crença enraizada em nosso meio. Mas será que tal modo de pensar é uma verdade absoluta? É muito perigoso seguir pensando assim, sem analisar amplamente o drama do suicídio. Ora, se fosse verdade que o suicídio é sempre uma consequência da falta de Deus na vida de uma pessoa, então teríamos que concluir que todos ateus estariam fadados ao suicídio, o que não é verdade.

Sabemos que uma experiência religiosa madura ajuda a encontrar o sentido da vida, na medida em que a pessoa adere um sistema de valores e uma comunidade, com a qual se envolve. Contudo, como seria possível medir a fé de uma pessoa a ponto de saber que ela está incólume do suicídio? Como poderíamos medir o estado de angústia que a pessoa está vivendo? Podemos afirmar o valor da espiritualidade para uma pessoa dar sentido a vida e consequentemente evitar o suicídio, porem não podemos fechar os olhos para realidade e achar que basta a pessoa cultivar a religiosidade para estar tudo resolvido.

Os estudos atuais mostram que quase todas as pessoas, ao longo da vida, em momentos de crises e sombras, sofrem com ideias suicidas. Assim sendo, precisamos encarar a questão do suicídio como uma realidade complexa que afeta o ser humano em geral, independente de ser católico, protestante, espírita, ou de outra religião, ou ainda ateu. Somos todos humanos, apesar das crenças diferentes. Em momentos de angustia e sofrimento estamos sujeitos às mesmas fraquezas.

Na própria Bíblia encontramos a referencia a um homem de Deus, que diante das fraquezas rezou pedindo a morte. Trata-se do profeta Elias, considerado o maior profeta bíblico. Este após ter matado os profetas do paganismo, tomando conhecimento de uma possível vingança, se sentiu ameaçado. E nesse contexto rezou pedindo a morte: “Elias temeu e se pôs a caminho para salvar a vida… Continuou o caminho pelo deserto uma jornada de caminho e no fim sentou-se sob uma retama, desejando a morte ‘Basta, Senhor! Tira-me a vida, pois não valho mais que meus pais!’” (1 Rs 19,3a.4).

Mas o que levou o homem de Deus a pedir sua própria morte? Sem dúvida, a angustia diante da ameaça dos inimigos o levou a uma ideia suicida. No fundo, o profeta não deseja o fim da sua vida, mas sim a fuga de uma angustia profunda que tomava conta do seu ser. Certamente que não foi falta de Deus que o levou a pensar assim, mas sim a dificuldade de lidar com a dor diante da ameaça sofrida. O que se passou com Elias pode se passar com todas as pessoas: crentes e não crentes, nos mais diferentes contextos de ameaça a sobrevivência e de intenso sofrimento. Por isso, o caminho não é julgar que o suicídio é coisa de gente fraca e sem fé, mas sim tomarmos conhecimento da dor que as pessoas enfrentam, num espírito de escuta e acolhida.


Padre Gilson José Dembinski, é graduado em Teologia, Filosofia. Especialista em Psicologia Pastoral, Teologia Bíblica e Ensino Religioso, Orientação Espiritual, Parapsicologia Clínica e Hipnoterapia. Formação profissionalizante: Introdução à mágica.