Tradição e inovação: A Lei maior é a caridade

Reflexão litúrgica: quarta-feira,
23/03/2022 – 3ª Semana da Quaresma

Na Liturgia desta quarta-feira, III Semana da Quaresma, vemos, na 1a Leitura (Dt 4,1.5-9), que, ao final da vida, antes de entrar na Terra Prometida, Moisés deixa um testamento espiritual: A Lei, os Mandamentos propostos por Deus. A Lei de Deus é um meio de viver a Aliança com Ele e, assim, chegar à Terra Prometida; é um caminho seguro para a felicidade, não um fim. São regras para aproximar as pessoas e estar a serviço da vida; portanto, observá-las não será um peso, mas um gosto, uma gratidão a Deus. Moisés recomenda ao povo que acolha a Lei e se deixe guiar por ela, mas que esteja aberto aos sinais dos tempos, não se apegando a ‘coisinhas e mesmices’. Para ele, e também para Jesus, a verdadeira experiência de Deus não se resume no cumprimento formal das leis, mas num processo de conversão que leve a pessoa à comunhão com Deus e a viver numa real partilha de amor com os irmãos. Uma exagerada fidelidade à tradição pode abafar a fidelidade ao Espírito e impedir uma inovação na qual Deus possa agir de outras maneiras, falar ao coração de outras formas.

O Papa Francisco, na Evangelii Gaudium (A Alegria do Evangelho), diz que, constantemente, devemos rever costumes e conceitos do passado: “Podem até ser belos, mas agora não prestam o mesmo serviço à transmissão do Evangelho. Não tenhamos medo de revê-los! Da mesma forma, há normas ou preceitos eclesiais que podem ter sido muito eficazes noutras épocas, mas já não têm a mesma força educativa como canais de vida…. O perigo auto referencial é se sentir superior aos outros por cumprir determinadas normas ou por ser irredutivelmente fiel a um certo estilo católico próprio do passado. É uma suposta segurança doutrinal ou disciplinar que dá lugar a um elitismo narcisista e autoritário, onde, em vez de evangelizar, se analisam e classificam os demais e, em vez de facilitar o acesso à graça, consomem-se as energias a controlar” (EG, 43 e 94).

No Evangelho (Mt 5, 17-19), vemos o programa de vida de Jesus e que, também, deve ser de todo cristão. Este texto se encaixa dentro do Sermão da Montanha (Mt 5-7), um resumo do ensinamento de Jesus a respeito do Reino e da transformação que esse Reino produz. Jesus se apresenta como novo Moisés, proclamando, sobre a montanha, a vontade de Deus que leva a libertação ao ser humano.

Nestes ensinamentos, Jesus exige que as pessoas sejam verdadeiras e responsáveis em seus relacionamentos e que os discípulos sejam promotores da paz e da reconciliação.

Encontrar-se com Cristo e segui-lo não é um conjunto de preceitos. Amar a Deus não é um fardo, mas uma oportunidade de demonstrar nossa fidelidade com verdadeiras obras de caridade. “Eis que venho fazer, com prazer, a vossa vontade, Senhor!” (Hb 10, 7).

O Sermão da Montanha, nesse trecho, nos ensina que a vida espiritual não está num catálogo de normas perfeitas que proíbem as más ações, mas na limpeza da fonte de todas as ações: o coração, pois, dele procedem assassinatos, adultérios, prostituições, falsos testemunhos e difamações.

Neste Evangelho, Jesus nos ensina a lei do amor e os valores que elevam a vida em comunidade. Diante de nossa realidade, quanto desamor, quantas pessoas estão mortas, para nós. “Se houvesse um raio x capaz de mostrar o cemitério que criamos dentro de nosso coração, nós nos assustaríamos”. Peçamos a Deus a cura do coração: “Cura, Senhor! Cura, Senhor! Com teu amor”.

Boa reflexão e que possamos produzir muitos frutos para o Reino de Deus.


Padre Leomar Antonio Montagna é presbítero da Arquidiocese de Maringá, Paraná. Doutorando em Teologia e mestrado em Filosofia, ambos pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná – PUCPR – Câmpus de Curitiba. Foi professor de Teologia na Faculdade Missioneira do Paraná – FAMIPAR – Cascavel, do Curso de Filosofia da PUCPR – Câmpus Maringá. Atualmente é Pároco da Paróquia Nossa Senhora das Graças em Sarandi PR.