Triste partida

Terça feira da Sexta Semana da Páscoa do Senhor. Jesus está vivo e é um “peregrino nas estradas de um mundo desigual”. Caminha conosco pelos becos das nossas vidas. Ver, enxergar e senti-lo nos que mais sofrem e necessitam de cuidados é nossa grande tarefa como seguidores e seguidoras d’Ele, já que o próprio Jesus assim se manifestou: “Eu garanto a vocês, todas as vezes que vocês fizeram isso a um dos menores de meus irmãos, foi a mim que o fizeram”. (Mt 25,40) Fé vivida no reconhecimento e compromisso com a pessoa concreta de Jesus.

Rezei esta manhã na solidão de meu quintal. Meus ilustres visitantes não se fizeram presentes desta vez. O clima mais fresquinho da madrugada prolongou o sono deles. Uma manhã melancólica que me fez recordar um de nossos grandes escritores pré-modernista, Lima Barreto (1881-1922) “Triste fim de Policarpo Quaresma”, um dos clássicos de nossa literatura, veio vivo na memória. Talvez por causa de meu sangue indígena efervescente em meu coração. Nesta obra, Policarpo Quaresma, um digno funcionário público, no intuito de valorizar a cultura de seu país, propõe o reconhecimento da língua Tupi como língua materna nacional. Movido por uma postura nacionalista forte e, segundo ele, os indígenas são os verdadeiros brasileiros. De leitura indispensável para os amantes de uma boa literatura.

Triste partida de Jesus. Partida mais que necessária, já que retorna para o colo do Pai, de onde saíra para vir estar conosco. “A Palavra se fez carne e acampou entre nós”. (Jo 1,14) Não estamos mais condenados a caminhar cegamente, sendo guiados por pequenas luzes no meio das trevas, por pequenas manifestações de Deus, mas pelo próprio Jesus, vivo e encarnado como manifestação total de Deus. O Filho retorna à Casa do Pai, preparando ali um lugar para todos os que o seguem. Mais que isso, retorna, mas deixa conosco o Espírito de Deus: “É bom para vós que eu parta; se eu não for, não virá até vós o Defensor; mas, se eu me for, eu vo-lo mandarei”. (Jo 16, 7)

Continuamos a nossa reflexão do Evangelho da Comunidade Joanina. A liturgia desta terça feira nos mostra os discípulos de Jesus apreensivos e temerosos com o anúncio de sua partida temporária do meio deles. Não é fácil para o discipulado entender o “afastamento” de seu Mestre. Todavia, é necessário ter a compreensão de que a missão não pode parar. É através do testemunho fiel dos discípulos que o testemunho de Jesus avançará para dentro da história. Jesus que chama, ensina e prepara os seus para serem suas testemunhas vivas, conforme está descrito no Livro dos Atos dos Apóstolos: “Mas o Espírito Santo descerá sobre vocês, e dele receberão força para serem as minhas testemunhas em Jerusalém, em toda a Judeia e Samaria, e até os extremos da terra”. (At 1,8)

Orientados por Jesus, os discípulos se transformam em apóstolos (enviados em missão, mensageiros). Jesus é o enviado de Deus como Salvador de seu povo (Heb 3,1-6). Ele é o Cristo Ressuscitado que foi enviado para testemunhar a amorosidade do Pai, realizar as suas obras e a sua vontade, e revelá-lo pleno ao mundo, conforme as várias passagens do evangelho de João (Jo 3,34; 5,37-47; 6,38; 7,:28,29; 8,42). De agora em diante, sem medo de serem felizes, os seus seguidores são aqueles que darão prosseguimento à sua missão. Recebendo o mesmo Espírito que guiou toda a missão do Mestre, os apóstolos estarão preparados para testemunhar Jesus, continuando o que Ele começou a fazer e ensinar. Essa é a tarefa apostólica de todos nós cristãos, que formamos a comunidade de Jesus. Através do nosso testemunho, Jesus ressuscitado continua presente e atuante dentro da história. Testemunhar o Ressuscitado com a própria vida como fez o nosso bispo Pedro, por meio de um de seus poemas (Deus nos livre): “Deus nos livre de leigos com batina no espírito. Deus nos livre de padres sem Espírito Santo. Deus nos livre de espíritos sem a carne da vida”.

“Eu hei de enviar-vos o Espírito da verdade; ele vos conduzirá a toda a verdade”. (Jo 16,7.13) O Espírito de Deus é o Espírito da Verdade: Como seguidores seus, somos desafiados a caminhar nesta mesma verdade. Verdade absoluta de Deus. O Reino desejado e sonhado por Deus não vai surgir de um momento para outro na história, como por toque de mágica ou milagre. Ele será fruto do testemunho dado por todos nós, seus discípulos e discípulas no mundo inteiro. Ser fiel no testemunho do Ressuscitado, fazendo brotar entre nós as ações do Reino. Fidelidade às pequenas coisas da vida, como diria a Madre Teresa de Calcutá (1910-1997): “Seja fiel nas pequenas coisas porque é nelas que mora a sua força”.

 


Francisco Carlos Machado Alves conhecido como Chico Machado, foi da Congregação do Santíssimo Redentor, os Redentorista, da província de São Paulo. Reside em São Felix do Araguaia no Mato Grosso e é agente de Pastoral na Prelazia de São Felix desde 1992. Sua atividade pastoral é junto aos povos indígenas da região: Xavante, Kayabi, Karajá, dentre outros. Mestre em Educação atua na formação continuada de professores Indígenas, nas escolas das respectivas aldeias.