Terça-feira (23) da quita semana da quaresma. Caminhamos decididos um passo de cada vez, rumo ao Domingo de Ramos que está logo ali na frente. Nesta cerimônia, iniciaremos a Semana Santa, com a celebração da entrada triunfal de Jesus em Jerusalem. Interessante notar que este evento é mencionado nos quatro evangelhos canônicos (Marcos 15,1-39, Mateus 21,1-11, Lucas 19,28-44 e também João 12,12-19). Como estamos refletindo o evangelho de Marcos neste ano, faremos uso de sua narrativa. Ele que escreve o seu evangelho com um objetivo muito claro de mostrar para nós que é esse Jesus de Nazaré.
Quis iniciar o meu dia com outro propósito de oração, mas fui seduzido pela temática do entrelaçamento nosso com os demais seres que habitam a nossa Casa Comum. Tudo porque, meu espaço foi “invadido”, ainda muito cedo, por uma revoada de maritacas ruidosas. Cada uma delas, falando em seu dialeto próprio, com muita algazarra. Neste momento baixou em mim o espírito de São Francisco de Assis, acabei aderindo ao contexto e rezei, orquestrado por este coral natural. Acho que elas já sabem que não vou afugentá-las, e se sentem as donas do pedaço.
Tudo está interligado! Fazemos parte de um contexto maior do qual nos inserimos não como os maiorais, mas fazendo parte de uma harmonia sinérgica, em que cada um dos seres é importante para o todo. O nosso erro maior é querer segregar os demais seres, subalternizando-os como seres inferiores, colocando o ser humano como o protagonista maior nesta sincronia. Somos todos interligados a uma rede maior, onde cada um dos seres, por menor que seja, tem a sua função precípua para o equilíbrio de todo o planeta. Como nos descreve o padre verbita Cireneu Kuhn, nesta sua bela canção inspirada na encíclica Laudato Si do papa Francisco.
Jesus tinha ciência desta interligação entre nós. Ele bem que tentou fazer acontecer esta interligação entre o Projeto de Deus e a realidade sócio-polítco-econômico-religiosa de seu tempo na Palestina. Entretanto, enfrentou duramente a resistência das lideranças religiosas, escribas, fariseus, doutores da lei, chefes dos sacerdotes, anciãos do povo. Para estes, Jesus nada mais era que um impostor, querendo se passar por filho de Deus enviado. A situação se complica ainda mais quando Jesus diz a eles: “Para onde eu vou, vocês não podem ir”. (Jo 8, 22) É muita afronta deste pobre nazareno.
Tanto os fariseus de lá quanto os de cá, são difíceis para entender as coisas. Como se tratasse de homens apegados ao dinheiro, como verdadeiros escravos dos lucros fartos, não foram capazes de reconhecer Deus presente em Jesus, e por isso querem provas concretas de que ele era, de fato, o Messias enviado. Vendo a resistência deles, Jesus declara ser a luz do mundo, convidando a todas as pessoas a segui-lo, renunciando às riquezas para servirem uns aos outros e, assim, testemunharem a presença de Deus nesta interligação maior.
Lá como cá, os fariseus de hoje também não são capazes de reconhecer a presença de Jesus nos sofredores deste mundo. Ainda hoje estes fariseus continuam crucificando Jesus na pessoa dos mais pobres, favelados, negros, indígenas, mulheres…(Mt 25,30) Em nome de uma fé cega, seguem os preceitos e doutrinas bem elaboradas, mas desprovidas da presença do Deus de Jesus. Aquilo que Jesus chama de pecado que leva à morte, ou seja, permanecer fechado neste mundo de baixo, isto é, dentro de uma ordem sociorreligiosa injusta e desigual, não conseguindo absorver o Projeto de Deus revelado em Jesus de Nazaré. Lembrando que este mesmo Jesus é a presença atuante do Deus do êxodo, “Eu Sou!” (Ex 3,14), que liberta o povo da escravidão e o conduz para uma vida nova, desejada por Deus (“mundo de cima”). O meu reino não é deste mundo!. (Jo 18,36)
Findei a minha oração fazendo a memória de tantos quantos irmãos e irmãs nossos estão padecendo em meio a esta pandemia. Muitos crucificados (desempregados, desassistidos passando fome ou morrendo) pela irresponsabilidade e negligencia daqueles que deveriam cuidar para que tantas vidas não fossem ceifadas prematuramente. Muitos dos que nos deixaram poderiam estar vivos, não fosse a falta de um plano orquestrado para salvar vidas. Estamos interligados, mas a cadeia da nossa interligação com o todo está sendo rompida, fragmentada. Como disse o papa Francisco na sua encíclica social “Fratelli tutti”, somos todos irmãos! Na sua compreensão, a fraternidade e amizade social são os caminhos indicados por ele para construirmos um mundo melhor, mais justo e pacífico, com o empenho e o compromisso de todos e todas.