Uma fé Cristológica

Quinta feira da terceira semana da Páscoa. Uma manhã de outono em que as temperaturas são mais amenas, também aqui pelas bandas do Araguaia. No estado há registros de dias muito frios, como em Cuiabá que amanheceu com 13 graus. Por aqui não chegamos a tanto, mas as manhãs são mais agradáveis, quando o típico calor dá lugar a uma brisa suave. Meus acompanhantes, preguiçosamente, vão levantando de seus ninhos, prontos para o novo dia que vem chegando. Da Ilha do Bananal sopra um vento mais intenso, espalhando o frescor sobre todos nós. Até o Sol se deixa influenciar pela preguiça e, calmamente, vem anunciando o novo dia.

Aqui pela Amazônia, estamos ainda todos apreensivos com o que ocorre com o Povo Yanomami. As lideranças indígenas, com quem tenho conversado, estão muito preocupadas com o clima de tensão e medo que toma conta de todos os indígenas. Os A’uwé (Xavante), como povo guerreiro que é, está pronto e pintado para a guerra. Aldeias sendo incendiadas, mulheres estupradas, crianças desaparecidas. A Invasão do território indígena Yanomami por garimpeiros, vem disseminando o terror e o medo para toda uma população indígena que se acostumou a viver em seus territórios, sem serem molestados por quem quer que seja. E o mais grave nesta história é saber que nada está sendo feito para conter a fúria criminosa dos invasores. Desgoverno total.

Liturgicamente, estamos em plena caminhada pascal. Momento oportuno para conhecer e aproximar de Jesus e fazer adesão ao seu projeto do Reino. Uma fé cristológica, absorvendo em nós a essência do ser de Jesus. Ainda estamos refletindo o texto do capitulo seis do Evangelho Joanino. Nele podemos perceber claramente que o Pai testemunhou seu amor por nós, entregando seu Filho único, para que tenhamos a vida em plenitude total. Desta forma, respondemos a este amor do Pai quando, do mesmo modo, nos abrimos para acolher o dom maior do amor, nos colocando a serviço da vida plena para todos e todas. Cada um de nós temos a liberdade para tomar a decisão de aceitar e continuar a obra de Jesus para termos definitivamente a vida, ou rejeitar Jesus e estarmos definitivamente condenados.

Somos desafiados a construir em nossa vida cristã uma experiência de fé cristológica. Ter Jesus como o centro gravitacional da nossa vivência cristã. Para isto precisamos conhecê-lo profundamente, para que possamos assim, fazer uma adesão consciente ao Projeto de Deus revelado por Ele. Uma fé que vai alem de meros conceitos, dogmas e preceitos morais. Uma fé que nos faz caminhar nas mesmas pegadas de Jesus, sendo com Ele instrumentos de transformação da realidade pelas vias do amor incondicional às causas dos pequenos e marginalizados: “Eu garanto a vocês: todas as vezes que vocês fizeram isso a um dos menores de meus irmãos, foi a mim que o fizeram.” (Mt 25,40) Fé que significa reconhecimento e comprometimento com a pessoa concreta de Jesus, identificando com os pobres e oprimidos, marginalizados por uma sociedade baseada na riqueza e no poder.

Não é nada fácil ter uma fé cristológica. Requer empenho, dedicação e conhecimento de quem foi, de fato, Jesus de Nazaré. O conhecimento de Jesus se faz através de estudos de sua vida, mas também através e uma experiência de intimidade mais profunda com a sua pessoa. Para isso é necessário superar a nossa experiência de fé infantil. Alguns de nós ainda permanecemos com esta mesma fé infantil e relacionamos com Jesus como aquele que aprendemos nos primeiros passos do catecismo. A proximidade que podemos ter com Jesus nos faz também superar a visão do “senso comum” que a maioria das pessoas tem a respeito de Jesus.

Quando estudei teologia (1985-1988), uma das disciplinas que mais me chamou a atenção foi a Cristologia. O saudoso padre João Resende Costa, me ensinou entre outras coisas que Jesus Cristo não é nome próprio. Cristo não é sobrenome de Jesus. Ali também eu aprendi que Jesus de Nazaré é o “Jesus histórico”, compreendido e aceito como o enviado, o Messias prometido, o Ungido de Deus. Por outro lado o “Cristo da fé” é uma compreensão teológica pós-pascal, que depois de passar pela experiência da morte na cruz, Deus o Ressuscita para a vida nova: “Verdadeiramente este era o Filho de Deus” (Mt 27,54). Esta foi a conclusão a que chegaram os soldados ao pé da cruz. Até os discípulos mais próximos de Jesus demoraram para ter esta compreensão, por mais que Ele os tivessem alertado quanto a este dia. Somos discípulos e discípulas “cristológicos” de Jesus. Nossa fé se fundamenta no Filho de Deus, que passou pela morte, mas vivo permanece no meio de nós. “Quem crê possui a vida eterna”. (Jo 6, 47)

 


Francisco Carlos Machado Alves conhecido como Chico Machado, foi da Congregação do Santíssimo Redentor, os Redentorista, da província de São Paulo. Reside em São Felix do Araguaia no Mato Grosso e é agente de Pastoral na Prelazia de São Felix desde 1992. Sua atividade pastoral é junto aos povos indígenas da região: Xavante, Kayabi, Karajá, dentre outros. Mestre em Educação atua na formação continuada de professores Indígenas, nas escolas das respectivas aldeias.