Uma fé de aparência

Quarta feira da décima primeira semana do tempo comum. A semana vai se desdobrando e vamos nos adequando aos dias, tentando decifrar os desafios que nos são postos. Talvez incorporando em nós o espírito de Guimarães Rosa, para irmos decodificando a nossa “Sagarana”, “A hora e vez de Augusto Matraga”, como provocação de entender a nossa vivência de fé entre o misticismo, na interminável luta do bem e do mal. Contradições que nos fazem repensar a nossa fé, à luz da Palavra de Deus, como forma de adequá-la ao seguimento de Jesus de Nazaré.

Os desafios são muitos. Se quisermos viver coerentemente a nossa fé, precisamos sintonizá-la com o contexto de vida de Jesus e seu projeto do Reino. Uma fé de aparência é tudo o que não podemos admitir em nós. Como seguidores do Ressuscitado, devemos estar atentos para não reproduzir em nós o farisaísmo reinante no tempo de Jesus e também nos dias atuais. Uma fé vivida apenas na base da aparência, cuja atenção nos chama o Papa Francisco: “cuidado com os hipócritas, ou seja, prestar atenção para não basear a vida no culto da aparência, da exterioridade, no cuidado exagerado da própria imagem. E, sobretudo, cuidado para não submeter a fé aos nossos interesses”.

Todavia, o “culto da aparência” está presente nos nossos dias. Com o advento das redes digitais, é muito comum vermos padres postando fotos de suas celebrações triunfalistas, quase sempre fazendo questão de mostrar as roupas alegóricas, como se estivessem prontos para um desfile de fantasias medievais. “Este é o mal do clericalismo”, observa o nosso pontífice, quando se tem uma preocupação excessiva com as roupas de gala do celebrante, ignorando por completo as diretrizes e encaminhamentos do Concílio Vaticano II (1962-1965), que, felizmente, trouxe a Igreja para mais perto da realidade do povo mais simples.

Uma fé vivida na aparência é tudo o que não podemos ter em nós. Uma Igreja que viva da aparência também. Talvez fosse interessante que alguns membros da Igreja, sobretudo os mais jovens lessem a fundo o livro “ECLESIOGÊNESE: a reinvenção da Igreja”, de Leonardo Boff. Publicado em 1977, este livro faz uma análise salutar sobre as estruturas do poder do clero numa Igreja como instituição verticalizada, onde poucos detêm o poder sobre a fé de muitos. Igreja voltada para si mesma, contrariando os princípios fundantes do cristianismo, uma vez que os Evangelhos nos mostram um Jesus Cristo defendendo os pobres e denunciando e desnudando o poder dos fariseus e a prática de fé centrada no Templo.

É exatamente sobre isto que Jesus chama a atenção de seus discipulos, apresentados para nós na liturgia desta quarta feira: “Ficai atentos para não praticar a vossa justiça na frente dos homens, só para serdes vistos por eles. (Mt 6,1) Jesus se coloca radicalmente contrário a uma experiência de fé vivida de aparências. Somos assim interpelados a viver em nós a prática da justiça, independente das circunstâncias em que estivermos. A fé de aparências é uma fé baseada no farisaísmo. Fazemos para mostrar que estamos fazendo. No entender de Jesus, a autenticidade da nossa fé se faz presente nas decisões e atitudes que assumimos em nosso coração e que, necessariamente, não precisam ser mostradas nas redes sociais. Somos quem somos no nosso interior sem ter que mostrar quem somos pelas ações propagadísticas exteriores. “…o essencial é invisível aos olhos”. (Saint-Exupéry)

O Evangelista Mateus, durante o percurso de seu evangelho, nos traz sempre a sua preocupação com a justiça do Reino. Já no primeiro capítulo ele assim diz: “José, seu marido, era justo”. (Mt 1,19) Em Mateus Jesus trabalha com o conceito de justiça diferente do nosso. A justiça a qual Ele se refere, são as atitudes práticas em relação às pessoas (partilha), a Deus (oração na ação), e a si mesmo (jejum e sobriedade). Ele não nega o valor dessas práticas no dia-a-dia, ao contrário, mostra como devem ser feitas para que se torne uma experiência de fé autêntica. A justiça é medida pelo grau de amor, solidariedade, compaixão que há na prática dela. “Buscai primeiro o reino de Deus, e a sua justiça, e todas estas coisas vos serão acrescentadas”.(Mt 6,33) Viver uma fé que busque incessantemente a promoção de relações de partilha e fraternidade. O necessário para a vida virá junto com essa justiça. Quem tem justiça tem vida e tem paz, uma vez que, como disse o profeta Isaías: “O fruto da justiça será a paz”. (Is 32,17)


Francisco Carlos Machado Alves conhecido como Chico Machado, foi da Congregação do Santíssimo Redentor, os Redentorista, da província de São Paulo. Reside em São Felix do Araguaia no Mato Grosso e é agente de Pastoral na Prelazia de São Felix desde 1992. Sua atividade pastoral é junto aos povos indígenas da região: Xavante, Kayabi, Karajá, dentre outros. Mestre em Educação atua na formação continuada de professores Indígenas, nas escolas das respectivas aldeias.