Quarta-feira (03) da segunda semana da quaresma. Estamos percorrendo o nosso calvário/caminho, rumo à Páscoa do Ressuscitado. Enquanto caminhamos, vamos passando pelos dissabores da vida, de pessoas marcadas para morrer. A pandemia segue nos castigando, tirando vidas do meio de nós. No dia de ontem, por exemplo, o Brasil registrou mais um recorde de mortes. Já é o terceiro maior número de pessoas, cujas vidas foram ceifadas (1.105, 1.150 e 1.641). E as previsões não são nada otimistas e animadoras. Segundo a pneumologista da Fiocruz, Margareth Dalcolmo, “teremos o março mais triste de nossas vidas”.
Que falta nos faz um presidente sério e responsável de verdade! Que falta nos faz um líder, um estadista com organização e planejamento, que lutasse e zelasse pelo bem-estar de seu povo! Estamos todos e todas órfãos de um presidente, que tenha a cara deste país sofrido. Alguém que não tivesse caído de para quedas e, completamente despreparado para gerir os destinos desta grande nação. O Brasil não merece tamanho desastre. Somos uma grande nação de gente trabalhadora e dedicada, que paga em dia as suas contas e contribui corretamente com os seus impostos, que não são poucos.
Diante deste cenário caótico que estamos vivendo, somente Deus pode nos salvar. Somente ELE, que está com os seus ouvidos atentos aos nossos clamores. Talvez por este motivo, invoquei hoje o salmo 130 (129), cujo título é “O perdão que liberta”. Salmo que começa assim: “Dos fundos abismos, eu clamo por ti! Vem logo Senhor, meu grito ouvir! Ouve Senhor, a minha voz! Na verdade, este foi um dos primeiros cânticos que aprendi quando entrei no seminário, meados da década de 70. Ali, o padre Ronoaldo Pelaquim, nos ensinou a cantar este salmo que ele acabara de musicá-lo. Um salmo que nos faz dirigir à Deus a nossa súplica, carregada de angústia e medo, diante da realidade que nos cerca.
Estamos todos com fome e sedentos de justiça. Voltamos para o nosso Deus e buscamos guarida nestes tempos sombrios, para termos forças suficientes para poder suportar tamanha dor e sofrimento. Ainda bem que Jesus, numa de suas falas, vai nos dizer: “Bem-aventurados os que têm fome e sede de justiça, porque serão saciados”. (Mt 5, 6) ELE nos traz o anúncio da felicidade, porque, através dele, vem a libertação, e não o conformismo ou a alienação. É o anuncio explicito da vinda do Reino, através da palavra e ação libertadora de Jesus de Nazaré. O Reino presente entre nós, trazendo-nos a justiça do próprio Deus. Justiça para aqueles e aquelas que são os “inúteis” ou incômodos para uma estrutura de sociedade baseada no acúmulo, na riqueza que explora e no poder que oprime os pequenos.
Diferentemente daqueles ricos e poderosos, que pensam que viver num contexto de fé é angariar privilégios para si e para os de sua classe social, Jesus vai nos propor no evangelho de hoje (Mt 20,17-28), uma outra forma de viver àqueles que desejarem fazer a experiência de seu seguimento. “Entre vocês não deverá ser assim. Quem quiser tornar-se grande, torne-se vosso servidor; quem quiser ser o primeiro, seja vosso servo. Pois, o Filho do Homem não veio para ser servido, mas para servir e dar a sua vida como resgate em favor de muitos”. (Mt 20, 26-28)
Somos membros da Igreja de Jesus de Nazaré. Somos discípulos e discípulas daquele que não tinha nem onde reclinar a sua cabeça (Mt 8,20). Não fazemos parte de uma igreja, cujos membros busquem para si toda forma de poder, status, privilégios, regalias e ostentação. Somos seguidores e seguidoras do peregrino de Nazaré. E assim sendo, não podemos sustentar uma “teologia da prosperidade”, mas daquela teologia pé no chão, “que derruba os poderosos de seus tronos e eleva os humildes” (Lc 1, 52) A nossa fé não pode ser uma fé de privilégios, mas de servidores e servidoras do Reino.
Por fim, Jesus faz aos seus discípulos e discípulas o anúncio da sua paixão. Ou seja, ELE prepara o seu grupo para o enfrentamento de uma realidade adversa que estará logo ali à sua frente. ELE anuncia a sua morte, como consequência de toda a sua vida, na defesa intransigente das causas dos pequenos. Sua Ressurreição aponta para uma vida nova que há de vir. Uma nova sociedade bem diferente da que aí está. Nesta nova sociedade, as relações serão marcadas pela gratuidade, pelo perdão, pela partilha, pelo serviço, pelo desapego. Nesta sociedade, a autoridade não será mais definida pelo exercício de poder, como fazem alguns bispos, padres e até seminaristas, mas pela qualificação para o serviço que se exprime na entrega de si mesmo para o bem comum de todos e todas. Bem soube definir-se Pedro com o seu jeito revolucionário de ser à frente da Igreja de São Félix do Araguaia: “Se a primeira missão do bispo é a de ser profeta e o profeta é a voz daqueles que não têm voz, eu não poderia, honestamente, ficar de boca calada ao receber a plenitude do serviço sacerdotal”. (Pedro Casaldáliga)