Uma grande mulher

Mais uma manhã fria no Araguaia. Clima muito propicio para os que aderem ao chimarrão como eu. Aprendi ainda no curso de teologia. Enquanto vou aqui “mateando”, vou também rezando, em meio a algazarra das enormes araras, que disputam entre si, o açaí nos fundos do quintal. Muitas delas, matizando o verde com as suas cores vivas do vermelho e azul. Não se contentam em somente fazer o seu “café da manhã”. Aproveitam para conversar no seu dialeto próprio, que somente elas entendem. Provavelmente, se fosse o outro Francisco, o de Assis, seria capaz de decifrar tal linguajar. O que sei é que estão felizes.

Uma quinta feira diferente para a caminhada de Igreja. Celebramos hoje a memória de uma grande mulher: Maria Madalena. Mulher, cuja presença viva na vida de Jesus de Nazaré, se transforma na primeira testemunha fiel do Ressuscitado. Isto porque, enquanto os homens que acompanhavam Jesus, estavam com muito medo, mediante aquele cenário do assassinato de Jesus, e temiam que a coisa sobrasse também para elas. Madalena, ao contrário, revestida de coragem e determinação, vai ainda de madrugada ao túmulo, para ter notícias de seu Mestre. (Jo 20,1)

A figura desta mulher guerreira é bastante controversa na história da Igreja. Muitos enaltecem o seu lado de prostituta, como o fez o Papa Gregório Magno, que no ano de 591, fez questão de introduzir o qualificativo de “prostituta”, em uma de suas homilias, pelo fato de Jesus ter expulsado sete demônios do corpo dela. Segundo ele, um destes demónios, seria o da prostituição. É desta forma que Maria Madalena é retratada pela Igreja católica, como uma prostituta ou uma mulher pecadora, entre os anos de 591 até 1969. Coube ao Papa Francisco reconhecer nesta personagem bíblica a grande mulher que foi canonizando-a, no ano de 2016, e nomeando-a como “apostola apostolurum”, “a apóstola dos apóstolos”.

Quantas mulheres iguais a Maria Madalena, não as temos em nossas comunidades? Mulheres guerreiras, que não medem esforços e executam os seus serviços, mesmo vivenciando num completo anonimato, perante as lideranças clericais masculinizadas. São mulheres marginalizadas e completamente ignoradas, quanto ao processo de tomadas de decisão. Para muitos dos nossos clérigos, as mulheres são consideradas seres inferiores. Somos uma igreja constituída por homens, principalmente nas esferas de poder. Quem não se lembra, num passado recente, quando as religiosas, tinham também comportamentos masculinizados. Havia até alguns tipos de sapatos masculinos, que elas usavam.

Aproveitando deste momento, em que estamos celebrando o memorial de Santa Maria Madalena, precisamos retomar a caminhada de uma Igreja feminina e feminista, onde as mulheres tenham lugar de fala. Uma Igreja Madalena, que saiba conviver com os pequenos, buscando caminhos de superação de todas as formas de desigualdades. Como dizia Pedro, “Madalena traz para nós a ternura do rosto materno de Deus.” Uma mulher que soube superar todas as adversidades, para estar ao lado de seu Senhor, ressuscitando com Ele, como a primeira testemunha ocular.

Uma Igreja Madalena que saiba se posicionar ao lado dos pobres e com eles construir a sua história de libertação. Uma Igreja que traga em si o rosto materno de Deus, na figura de Maria Madalena. Ela traz em si a presença do Ressuscitado, que venceu a morte e é um vivente no meio de nós. Não uma Igreja que compactua com a morte, ou com aqueles que fazem apologia do ódio, perseguindo aos que defendem os pequenos. A Igreja de Jesus é a Igreja dos pequenos e marginalizados. A outra igreja é a do “cristofascimo”, defensores da política necrófila, que levou milhares de irmãos nossos à morte.

Maria Madalena é aquela que encontra a si mesma no seu encontro pessoal com Jesus de Nazaré. Modelo de discipulado do Mestre, nos ensina que o caminhar com Ele exige compromisso, entrega, serviço. O seu coração feminino, transbordante de Deus, nos faz acreditar que o amanhã virá e com ele, uma nova aurora haverá de nos fazer esperançar. Diante da amorosidade de um rosto feminino de Deus, impossível não se lembrar do “Papa do Sorriso”, João Paulo I, que esteve à frente da Cúria Romana por apenas 33 dias, em 1978. Tempo suficiente para dizer algo que acabou gerando uma grande repercussão positiva: “Deus é mais mãe do que pai”. É a ternura de Deus com o seu jeito feminino de ser, cuidando de todos e de cada um de nós. Na concepção de Santo Agostinho, depois da mãe de Jesus, Maria Madalena foi a mulher mais importante dos Evangelhos.