Uma Igreja diferente

Primeiro sábado (20) depois da quarta-feira de cinzas. Seguimos com a nossa quaresma. Na data de hoje se comemora o Dia Mundial da Justiça Social. Data de extrema importância para ajudar-nos a fortalecer a luta contra a pobreza, a exclusão, o preconceito e o desemprego, em busca de um desenvolvimento pensado para todos e todas, sobretudo para os mais pobres e vulneráveis. Oportunidade para pensarmos novos caminhos de uma economia solidária e não a que aí está que produz a morte dos pequenos, uma vez que é excludente.

O vírus segue maltratando os pobres de nosso país. Centenas de milhares de infectados a cada dia. Um número elevado de mortes, tirando vidas de inocentes. Enquanto isso, a vacina não vem. Ao contrário, o número de vacinados é ainda muito pequeno. Não chega nem a 3% da população brasileira. A comunidade científica está muito temerosa, uma vez que várias cepas do vírus, se espalha entre nós. Mesmo aquelas pessoas vacinadas não tem ainda garantia de vida. É o caso da indígena Iny, Cristina Malawiru, mesmo recebendo a primeira dose, deixou-nos no dia de ontem.

O clima entre nós é ainda de muita apreensão e profunda angústia. Como não ficar angustiados diante da morte que se aproxima mais e mais de nós? Só na cidade de São Félix do Araguaia, que possui uma população estimada de cerca de 14 mil habitantes, somente nestes dois últimos dias, tivemos 24 novos casos de infecção. E a vacina nunca chega. Apenas os profissionais de saúde e a população indígena têm garantido a vacina. Eu que sou do segundo grupo, não tenho a mínima noção de quando chegará a minha vez. O jeito é cada um cuidar de si, que os nossos gestores não estão nem aí.

Em meio a tantas incertezas, de uma coisa estamos certos. Neste ano de 2021, estaremos comemorando 50 anos da ordenação episcopal de Pedro. Ele que nunca quis ser bispo. Não passava pela sua cabeça fazer parte da hierarquia da Igreja. Resistiu o quanto pode. Foi convencido pelos demais agentes de pastoral com a argumentação de que, se fosse um bispo, teria mais força para enfrentar os algozes do latifúndio. Aceitou, mas renunciou a todos os símbolos de ostentação, inclusive daqueles símbolos clericais. Assim, como forma de identificação de seu episcopado, escolheu o anel de tucum, o remo do povo Iny (Karajá), como báculo e o chapéu de palha dos posseiros como a sua mitra.

O ano era o de 1971. Ele que chegara a região no ano de 1968, em plena ditadura militar no Brasil. Como bispo da Prelazia de São Félix do Araguaia com os seus 150 mil quilômetros quadrados de rios, sertões e florestas, ao noroeste do Mato Grosso, dentro da Amazônia denominada “legal”, entre os rios Araguaia e Xingu, incluindo também a Ilha do Bananal, a maior ilha fluvial do mundo. Chegou causando e demarcando território. Desta forma, ao ar livre, à beira do Araguaia, Pedro é ordenado bispo pelas mãos de Dom Fernando Gomes dos Santos, Arcebispo de Goiânia, Dom Tomás Balduino, bispo da Diocese de Goiás e Dom Juvenal Roriz, bispo de Rubiataba, GO.

No cartãozinho-lembrança de sua ordenação episcopal, Pedro fez questão de deixar claro o seu programa como bispo à frente desta igreja: “Tua mitra será um chapéu de palha sertanejo; o sol e o luar; a chuva e o sereno, o olhar dos pobres com quem caminhas, e o olhar glorioso de Cristo, o Senhor. Teu báculo será a verdade do Evangelho e a confiança do teu povo em ti. O teu anel será a fidelidade à Nova Aliança do Deus Libertador e a fidelidade ao povo desta terra. Não terás outro escudo que força da Esperança e a Liberdade dos filhos de Deus; nem usarás outras luvas que o serviço do Amor.”

Fidelidade que ficou expressa na publicação da Primeira Carta Pastoral intitulada, “Uma Igreja da Amazônia, em conflito com o latifúndio e a marginalização social”. Mostrando o rosto de uma igreja dos pobres, dos pequenos. Carta esta que espalhou-se como um rastilho de pólvora. Ganhou o mundo e também a ojeriza dos poderosos desta região de Mato Grosso. Uma carta emblemática, pois pela primeira vez se falava claramente nas palavras: ‘latifúndio’, ‘trabalho escravo’, ‘pistolagem’, ‘opressão dos mais fracos, dos pobres e dos indígenas’. Pedro dando as suas coordenadas, inaugurando uma igreja diferente, pronta a sair de sua centralidade eurocêntrica e atuar nos rincões de opressão, contra as mazelas que assolavam o povo desta região.
Cinquenta anos já se passaram. Ele já não está mais aqui presencialmente conosco. Entretanto, muito do que ele fez e sonhou se faz presente na caminhada do povo que, com ele, ajudou a construir este modelo de igreja povo de Deus de pés no chão. Um legado que não será esquecido tão cedo. Sentimos a sua falta, mas, ao mesmo tempo, sabemos da nossa responsabilidade de levar adiante o seu sonho, junto a este povo ainda tão sofrido. Assim como Jesus que gostava de “Comer e beber com os cobradores de impostos e com os pecadores” (Lc 5,30), Pedro fazia questão de estar no meio daqueles que não prestavam e nada valiam, para que pudessem sentar-se a mesa da partilha de bens e de comida.