Venha ver Coisa boa de Nazaré

Quinta feira do Tempo do Natal antes da Epifania. Tempo de plantar as sementes do Reino com a chegada da vida plena que o Filho veio nos trazer em pessoa. Deus fazendo morada em nossas vidas, divinizando o nosso modo de ser. A amorosidade de Deus está no ar, o divino se humanizando e fazendo da nossa história, vida plena na concretude do Reino que já se encontra no meio de nós. Deus que vem selar o seu compromisso. Promessa feita, promessa cumprida.

Hoje o meu despertar se deu na morada de outra das minhas 14 irmãs. Acordei o dia na companhia de joãos de barros, ben-te-vis, rolinhas, escalando os galhos, sob o compasso dos pingos da chuva. Rezei recordando o meu quintal distante no Araguaia, que mora dentro de mim, sem nenhuma falta de respeito ao ser mineiro que sou e que também habita em mim como essência de meu ser. Como não sou possuidor de um notebook, rabisquei dedilhado na tela do celular e como mineiro desconfiado, driblando as investidas descabidas do “corretor”.

A esperança vence o medo sempre. O amor ultrapassa todas as barreiras do ódio. A mentira dá lugar à verdade. O esperançar do sonho de Deus espalha os seus tentáculos de ternura e compaixão para com os sofredores e abandonados. O rosto materno de Deus cuidando da sua criação com misericórdia de um coração que acolhe e chama para si os deserdados da terra. No coração de Deus há morada para todos aqueles e aquelas que se abrem na perspectiva da amorosidade, fazendo de si morada do Deus que liberta e salva.

De Nazaré para o mundo. Da periferia para o centro. Do imponderável e inesperado para a crível da lógica de Deus. Dos que nada valem para o protagonismo de uma nova realidade de um mundo onde reina a ternura e a fraternidade. Outro mundo sendo possível sob a perspectiva do esperançar de Deus que quer novas todos e todas as coisas. A resistência e a teimosia de Deus adentrando a história. A vida ganhando um novo sentido na Páscoa da vitória do Ressuscitado que está no meio de nós como um dos nossos. A revelação plena de Deus mergulhando profundamente em nossa história, renovando- a por dentro e nos fazendo novas criaturas.

Pode vir coisa boa da favela? Pode vir coisa boa da periferia? Pode vir coisa boa do meio dos moradores de rua? Pode vir coisa boa do meio dos usuários de drogas? Pode vir coisa boa do meio dos Movimentos Sociais que lutam pela terra? Pode vir coisa boa dos povos indígenas que querem tão somente viver em paz e em harmonia com a Mãe Natureza nos seus territórios sagrados? Pode vir coisa boa das Religiões de Matrizes Africanas, cultuando os valores e saberes de seus ancestrais? Pode vir coisa boa de Nazaré da Galileia dos pagãos?

Os que ficam fechados em si mesmos não conseguem ver o novo que brota das situações mais inusitadas. Quem analisa de fora e não entra nos meandros da luta, não conseguem discernir os verdadeiros parceiros nas lutas que são travadas na caminhada pela transformação da realidade. Como já nos alertou o teólogo Leonardo Boff: “a cabeça pensa a partir de onde os pés estão pisando”. Quem não pisa na realidade das periferias existenciais e sócio-geográficas, não conseguem também pensar com o coração e tecem a sua visão eivada de preconceito e discriminação.

“Vem ver!” Esta foi a proposta feita por Felipe à Natanael, diante da novidade que lhe fora contada a respeito do Messias que nascera em Nazaré. A liturgia mais uma vez nos convida a refletir com o “Prólogo de São João”, narrando o início da vida pública de Jesus. O Nazareno mesmo que faz questão de se apresentar a Natanael reconhecendo nele a sua integridade como ser humano: “Aí vem um israelita de verdade, um homem sem falsidade”. (Jo 1,47) Jesus que olha para as pessoas e vê nelas os seus reais valores e as descrevem com o coração de quem olha e cuida com ternura, pois é todo amor. Venha você também ver e experimentar esta presença viva de um Deus presente em Jesus, o Filho do Homem, a nova ligação entre Deus e os homens.

 


Francisco Carlos Machado Alves conhecido como Chico Machado, foi da Congregação do Santíssimo Redentor, os Redentorista, da província de São Paulo. Reside em São Felix do Araguaia no Mato Grosso e é agente de Pastoral na Prelazia de São Felix desde 1992. Sua atividade pastoral é junto aos povos indígenas da região: Xavante, Kayabi, Karajá, dentre outros. Mestre em Educação atua na formação continuada de professores Indígenas, nas escolas das respectivas aldeias.