Sábado da Quarta Semana da Páscoa. O Ressuscitado segue no meio de nós, fazendo e acontecendo as ações do Reino através de nós. Cada ato de amor nosso gera a Ressurreição. Estamos a caminho de Pentecostes. O período pascal é de uma profunda riqueza, quando passaremos pela Ascensão do Senhor (sétimo Domingo), cujo sentido é mais teológico que cronológico. A luz do Ressuscitado segue presente em nossas comunidades através do Círio Pascal, que permanece aceso em todas as celebrações até o Domingo de Pentecostes, expressando assim o mistério pascal comunicado aos seguidores e seguidoras de Jesus.
“Ô luz do Senhor, que vem sobre a terra. Inunda meu ser, permanece em nós”. Cantamos acertadamente assim em nossas celebrações. A luz de Deus está em nós, por nós e para nós. Ela está dentro de nós. Mais do que isso, ela está em nosso interior. Podemos dizer que ela se faz íntima no mais profundo de nós. Luz a brilhar, clareando os nossos passos; definindo os nossos sentimentos; motivando as nossas ações na caminhada com o Filho, que se faz luz de Deus em nós. Talvez um pouco daquilo que Sigmund Freud (1856-1939) definiu nos estudos de sua psicanálise como “Ego”, “Superego” e “Id” como as instâncias que formam a psique humana.
Psicanálise a parte, iniciei o meu sábado na companhia do pastor. Sempre que posso, vou beber da inspiração de nosso bispo Pedro, rezando na terra sagrada que descansa “franciscanamente” seu corpo franzino. Seu legado precisa estar presente e ser revivido em cada um que com ele caminhou ou o conheceu, através de seus escritos e o testemunho de seguidor da “testemunha Fiel”, como ele se referia à Jesus de Nazaré. Estando ali, ainda na penumbra da madrugada, revivi rememorando o verso de um de seus poemas: “Deus nos livre de espíritos sem a carne da vida”. Deus nos livre da vida sem sentido e sem a sintonia com as demais pessoas com quem convivemos.
Deus nos livre de homens e mulheres avessos a igualdade de gênero. Foi o que vemos acontecer esta semana na Câmara dos Deputados, quando foi aprovado nesta quinta feira (04) o Projeto de Lei que determina o pagamento de salários iguais para homens e mulheres que despenham a mesma função profissional: 325 votos a 36. A parte bizarra ficou por conta de algumas mulheres que votaram contra o projeto, seguidas de outros deputados sem noção. Um deles, inclusive, argumentando o seu voto contrário afirmou: “Não é de Deus. Mulheres devem se resignar em ganhar menos. A submissão ao homem deve ser até na remuneração. Está na Bíblia”. A “bíblia” dele, evidentemente.
Não basta ter uma Bíblia em casa ou ler os textos dela fora de seu contexto originário. Texto fora contexto é mero pretexto para justificar os interesses do leitor mal intencionado. Conhecer a palavra é fazer a hermenêutica necessária, trazendo-a para dentro do contexto em que estamos vivendo, no corrimão da história. Conhecer a palavra na sua profundidade é entrar em sintonia com o que ela quer nos dizer, como o próprio Jesus assim definiu: “Se guardais minha palavra, diz Jesus, realmente vós sereis os meus discípulos”. (Jo 8,31b-32) Apropriar da verdade que liberta é aceitar a vida nova trazida por Jesus, que relativiza tudo aquilo que antes parecia absoluto: riqueza, poder, ideias, estruturas. A liberdade só é possível quando se rompe com uma ordem injusta, que impede a experiência do amor de Deus através do amor às pessoas. Há muito que crescermos neste sentido.
Ver, crer e sentir. Ver Jesus e acreditar n’Ele como o Messias enviado é crer na presença viva de Deus n’Ele. O mistério profundo da Santíssima Trindade na presença viva de Deus que se mescla em três pessoas: Pai, Filho e Espírito Santo. Distintas, mas complementares e intrinsecamente, vivendo na harmonia de amorosidade, ternura e compaixão. Quem vê Jesus vê o Pai presente n’Ele, por Ele e com Ele: “Quem me viu, viu o Pai”. (Jo 14,9) O desafio daqueles e daquelas que querem experimentar caminhar mais de perto com Ele é ver e acreditar nesta sintonia perfeita entre Pai e Filho construindo conosco a nossa história. Até porque foi Jesus mesmo que nos garantiu através deste texto joanino de hoje: “quem acredita em mim fará as obras que eu faço, e fará ainda maiores do que estas”. (Jo 14,12) Não se trata de fazer coisas de qualquer jeito, mas fazê-las quem sabe embasadas pelo pensamento de Santo Agostinho (354 d.C.-430 d.C.) que dizia: “Não basta fazer coisas boas – é preciso fazê-las bem”.
Francisco Carlos Machado Alves conhecido como Chico Machado, foi da Congregação do Santíssimo Redentor, os Redentorista, da província de São Paulo. Reside em São Felix do Araguaia no Mato Grosso e é agente de Pastoral na Prelazia de São Felix desde 1992. Sua atividade pastoral é junto aos povos indígenas da região: Xavante, Kayabi, Karajá, dentre outros. Mestre em Educação atua na formação continuada de professores Indígenas, nas escolas das respectivas aldeias.