Vida partilhada: dom do serviço

Quarta feira da Oitava da Páscoa. Durante estes oito primeiros dias, celebraremos solene e alegremente a Ressurreição do Galileu. Período mais que oportuno para festejar um dos acontecimentos mais importantes para a nossa Fé: a Ressurreição de Jesus. Celebrar, festejar, mas também revisar a nossa fé à luz da Palavra de Deus, trazendo o Ressuscitado para dentro de nós, para que assim possa fazer morada em nossas vidas. Agindo assim, vamos perceber que o sacrifício de Jesus não foi em vão. Como afirma o Catecismo da Igreja: “A ressurreição de Jesus é a verdade culminante da nossa fé em Cristo, acreditada e vivida como verdade central pela primeira comunidade cristã…” (Catecismo §638)

Uma quarta feira que começou triste para os amantes da boa música de qualidade. No dia de ontem (11), a Música Popular Brasileira (MPB), perdeu uma de suas integrantes. Faleceu na cidade do Rio de Janeiro a cantora Cynara (78). Ela que fazia parte do grupo musical clássico da Bossa Nova Quarteto em CY. Este grupo foi criado no ano de 1964, composto por outras suas irmãs, Cybele, Cyva e Cylene, daí o nome Quarteto em Cy, graças a criatividade de nada mais nada menos que Vinícius de Moraes. Um grupo vocal afinadíssimo que embalou muitos dos nossos sonhos na juventude.

O clima dos primeiros dias da Ressurreição de Jesus permanece na vida dos seus seguidores. A tensão e o medo ainda intimida as ações daqueles e daquelas que estiveram próximos de Jesus, caminhando com Ele pela Palestina. Toda sua confiança foi minada pelo medo, com exceção de algumas mulheres, empoderadas pelo protagonismo de Maria Madalena, os demais discípulos do Mestre se deixaram abater pelo medo e pela tristeza. Não podia ser diferente, para aqueles que ainda não tinham a certeza de que Ele Ressuscitaria como havia dito.

O Lecionário Litúrgico nos coloca hoje diante de um dos textos mais belos de todo o Novo Testamento: “Os discípulos de Emaús”. Homens que se puseram a caminho se distanciando de Jerusalém, conforme o relato de Lucas: “Naquele mesmo dia, o primeiro da semana, dois dos discípulos de Jesus iam para um povoado chamado Emaús, distante onze quilômetros de Jerusalém”. (Lc 24,13) Cada um deles trazendo no seu íntimo, todas as dúvidas possíveis e imagináveis, por não terem mais junto de si a presença do Jesus histórico. E agora? O que fazer? A esperança deu lugar à insegurança.

Antes de adentrar o texto propriamente dito (Lc 24,13-35), é bom que atentemos para o fato de que Lucas, ao escrever o seu Evangelho tem a preocupação primeira de apresentar o “caminho de Jesus” como aquele caminho que se realiza na história. Ou seja, é uma ação de trazer para dentro da história humana o projeto de salvação que Deus tinha revelado, conforme a promessa feita no Antigo Testamento, que o próprio Lucas assim o descreve: “Bendito seja o Senhor, Deus de Israel, porque visitou e redimiu o seu povo. Fez aparecer uma força de salvação na casa de Davi, seu servo; conforme tinha anunciado desde outrora pela boca de seus santos profetas. (Lc 1,68-70)

Hoje vemos o “Caminho de Emaús”, com dois dos discípulos de Jesus fazendo esta trajetória, se afastando do cenário trágico que havia acontecido em Jerusalém. Para surpresa deles, Jesus se coloca na mesma caminhada com eles, embora só o tenha percebido bem depois. A tristeza pela perda é maior que a esperança da Ressurreição. Jesus que neste primeiro momento de sua ressurreição, continua ensinando e orientando os seus discípulos, caminhando com eles, solidarizando com as suas angustias e problemas, também participando de suas lutas.

Mesmo estando presente com eles, durante todo o trajeto (11 km), eles só o reconhecem na hora da “Partilha do Pão”: “Quando se sentou à mesa com eles, tomou o pão, abençoou-o, partiu-o e lhes distribuía. Nisso os olhos dos discípulos se abriram e eles reconheceram Jesus”. (Lc 24,30-31) Reconhecer Jesus na partilha do pão. Pão partilhado, vida assegurada. Este é o desafio de todo aquele e aquela que faz a sua adesão ao seguimento de Jesus: ser capaz de partilhar o pão, a vida, os dons, o serviço, a entrega total. Vida partilhada: dom do serviço. Quem não partilha não sabe o que é viver. Quem não se dá como partilha não sabe o que é amar. Partilhar a vida com os pobres, ser com eles e para eles. Eucaristia é partilha, é dom, é serviço. Talvez tenha sido por isso que o arcebispo de Constantinopla São João Crisóstomo tenha afirmado: “Se não conseguirdes encontrar Cristo no mendigo na porta da igreja, não o encontrará no cálice.” E você, faz da sua vida, partilha, dom e serviço?


Francisco Carlos Machado Alves conhecido como Chico Machado, foi da Congregação do Santíssimo Redentor, os Redentorista, da província de São Paulo. Reside em São Felix do Araguaia no Mato Grosso e é agente de Pastoral na Prelazia de São Felix desde 1992. Sua atividade pastoral é junto aos povos indígenas da região: Xavante, Kayabi, Karajá, dentre outros. Mestre em Educação atua na formação continuada de professores Indígenas, nas escolas das respectivas aldeias.