Vinde ver

Quarta feira do Tempo do Natal antes da Epifania. Seguimos nos nossos passos em direção ao viver. Um passo de cada vez, no compasso do tempo cronológico de nossa história. Cada qual na busca de suas realizações, sob a perspectiva de um novo horizonte que se descortina. Para os que são cristãos, mesmo estando sob a lógica do tempo que é o “Cronos”, tempo regido pela história humana, nos submetemos ao “Kairós”, que é o tempo de Deus, engravidando a nossa história. O tempo de Deus sendo vida em nossas vidas.

Tempo de olhar para frente, clareando a visão, os pensamentos e o agir, para dar passos decisivos e significativos em direção às grandes causas humanitárias. Tempo de olhar para o retrovisor da história e lá buscar pessoas, fatos e experiências edificantes, que sirvam de paradigmas para o nosso caminhar na história de hoje que vamos construindo. O ontem como espelho emblemático, nos conduzindo rumo ao “Bem Viver”. O segredo é olhar para o passado como fonte de luz e não como nos alertara William Shakespeare: “Lamentar uma dor do passado, no presente, é criar outra dor e sofrer novamente”.

Do passado quero trazer presente entre nós a vida de Dom Tomás de Balduíno, que neste último 31 de dezembro, celebramos o seu centenário. Estando hoje nos braços do Paí, Tomás fez história entre nós na caminhada de Igreja. Ao lado de nosso bispo Pedro, foi ele um dos criadores do CIMI – Conselho Indigenista Missionário e também da CPT – Comissão Pastoral da Terra. Duas pastorais sociais que trouxeram para dentro da Igreja as ideias e diretrizes sonhadas no Concílio Vaticano II (1962-1965) e de Medellín (1968). A Igreja caminhando pelas estradas dos mais necessitados de sua presença entre eles.

Conheci Tomás quando cheguei à Prelazia de São Félix do Araguaia (1992). Muito amigo de Pedro, vinha ele mesmo, pilotando o seu “Teco-teco”. Para avisar a Pedro que estava de chegada, dava um rasante com aquele pequeno avião sobre a casa de Pedro, para que fôssemos buscá-lo no aeroporto da cidade. Um bispo dos pobres, profundamente identificado com as causas de indígenas e camponeses. Lutou bravamente pela demarcação das terras indígenas e pela Reforma Agrária. Seu sangue corre vivo ainda hoje nas veias daqueles e daquelas que atuam no CIMI e CPT, fazendo a história acontecer.

É ver para crer. É fazer a mesma experiência dos seguidores de Jesus, como o texto que a liturgia nos oportuniza refletir no dia de hoje. Tal texto nos apresenta os discípulos de João Batista que, depois de ouvirem-no anunciar Jesus como o “Cordeiro de Deus”, prontamente seguiram a Jesus que passava. Interessados em saber onde morava aquele homem, o Mestre Galileu lhes responde: “vinde ver”. (Jo 1,39). Eles foram, viram e permaneceram com Ele, assim diz o texto joanino do Evangelho de hoje.

Jesus sempre reconhece aqueles e aquelas que o Pai os coloca em seu caminho. É assim também que acontece conosco. Já tivemos muitas oportunidades de estar com Jesus. Inúmeras vezes Ele já se manifestou a nós no cotidiano das nossas vidas e muitas vezes deixamos passar estas oportunidades para estar com Ele. Naquele irmão faminto, que chega até nós pedindo um pouco de comida; naquele irmão morador de rua, um ser visível, mas que se transforma em invisível para a nossa sociedade; naquela mãe que certa vez encontrei pelas ruas de São Paulo com uma criança precisando ser alimentada no peito materno, mas que de tanta fome da mãe, do peito só saía sangue. Jesus se fazendo presente em tantos descartados de nossa sociedade.

“Vinde ver”, este é o convite que é feito a mim e a você, onde realmente mora Jesus. Provavelmente não deve morar em muitos palácios ou templos suntuosos por aí. Jesus mora em muitos lugares improváveis e imprevisíveis. Onde menos esperamos, lá está Ele fazendo sua morada com os desprezados. Ver Jesus e estar com Ele é muito mais do que uma simples fé de piedade que somente consegue enxergá-lo nos altares das igrejas. Que tenhamos a mesma coragem e poder de determinação para ter a mesma atitude dos discípulos de João que viram a Jesus e permaneceram com Ele. Jesus quer morar em mim e em você. Faça do seu ser a morada que Ele quer ser.

 


Francisco Carlos Machado Alves conhecido como Chico Machado, foi da Congregação do Santíssimo Redentor, os Redentorista, da província de São Paulo. Reside em São Felix do Araguaia no Mato Grosso e é agente de Pastoral na Prelazia de São Felix desde 1992. Sua atividade pastoral é junto aos povos indígenas da região: Xavante, Kayabi, Karajá, dentre outros. Mestre em Educação atua na formação continuada de professores Indígenas, nas escolas das respectivas aldeias.