O processo de colonização da América foi terrivelmente cruel para os povos nativos que aqui habitavam há pelo menos 11 mil anos. Estes povos viviam numa relação simbiótica e sagrada com a pachamama, conforme os seus ritos, usos, costumes e tradições. Uma vida de profundo respeito com o seu entorno, testemunhada por cada árvore, cada rio, e cada ser vivo povoando o mesmo habitat. Viviam felizes, com os seus ancestrais ditando as regras do bem-viver. Até que avistaram ao longe, a chegada do colonizador. Homens cruéis e mal humorados, mal cheirosos e de intenções duvidosas. Situação que ficou muito evidente no poema “Equívoco Português”, do poeta Oswald de Andrade, escrito em 1925:
“Quando o português chegou
debaixo duma bruta chuva
vestiu o índio
Que pena!
Fosse uma manhã de sol
o índio teria despido o português.“
Trouxeram tudo “novo”. Não conseguiram ver que por aqui existiam vidas, pessoas, valores, culturas distintas umas das outras. Povos diferentes, falando línguas diferentes, refletindo a sua cosmologia e cosmogonia. Deram-lhes o nome de “Índios”, como se todos fossem iguais entre si. Se esqueceram que existiam até povos rivais entre uma etnia e outra. Deram-lhes roupas, para cobrir a sua nudez, um pecado constatado pela Igreja que veio junto na embarcação do colonizador. Batizaram para que adquirissem almas, afinal vivendo no meio do mato e sem roupa, nem gente eram considerados. Por fim ensinaram a língua da civilização, um português vulgar, vindo d’além mar. Crueldade total! Bem o disse o poeta: “No dia que Portugal descobriu o Brasil, o Brasil perdeu a felicidade” (M. Bandeira, 1936).
Trouxeram as doenças que até então não haviam por aqui. Muitos morreram, dada a baixa imunidade para aqueles tipos de moléstias. Muitas mortes, pois as roupas que eram distribuídas entre eles vinham infectadas por doenças do homem branco europeu. Tinham a intenção de fazê-los escravos e, diante da resistência, foram assassinados, violentados. As mulheres indígenas foram transformadas em objeto de desejo sexual dos homens brancos, sedentos de maledicência. Saquearam suas riquezas, invadiram suas terras e destruíram a sua fonte de vida que vinha da floresta. Tudo isso feito sem nenhum pudor.
Passados tantos anos, séculos, aqui estamos lidando com o que restou destes povos originários. Dos mais de 6 milhões de pessoas que aqui existiam, falando mais de mil línguas distintas, restam hoje, cerca de 305 etnias, falando pouco mais de 274 línguas, segundo os dados do IBGE de 2010. Povos resistentes, resilientes, pois sobreviveram ao massacre imposto pelo colonizador que se perpetua nos colonizadores de hoje. Vestindo-se da mesma crueldade que marcou os primeiros contatos do homem branco na sua chegada por aqui.
O bárbaro colonizador, dizimador, também plantou nas mentes de alguns de nós por aqui uma perversa herança colonial. É com esta herança em forma de concepção, que lidamos com estes povos e, muitos de nós desconhecem e até se recusa conhecer a história da resistência/resiliência que não foi escrita pela ótica do colonizador. Ou seja, o colonizador não mais “está por aqui”, mas conseguiram implantar a sua ideia devastadora e também fazer de alguns de nós, exímios reprodutores da sua visão. São povos atrasados que atrapalham o desenvolvimento do país, pois não produzem para alem da sua subsistência. Impedem que o desenvolvimento agrário/pecuarista possa produzir bem mais em terras improdutivas, em suas respectivas mãos. Esta é a ideia que ainda perdura fortemente, em relação aos povos originários.
Chega a pandemia. Os indígenas se assustam. Mais uma vez, são atingidos por uma doença que os seus organismos fragilizados, não têm como lidar com ela. Se isolam o quanto podem, fechados em suas aldeias. Mesmo assim, o vírus vence a barreira e atinge a muitos. Vírus levado por pessoas de fora, como no caso dos Yanomami que foram infectados pelos invasores garimpeiros ilegais de seu território. Um genocídio se aproxima destes povos. E nada está sendo feito pelos órgãos do governo federal que possa conter esta tragédia que se aproxima. Povos indígenas. Ontem e hoje. Marcados para morrer. Resistência permanente no desejo de tão somente viver.