Xingu de luto

O Parque Nacional do Xingu está de luto. O Brasil está de luto há cinco meses. Já atingimos a triste cifra de 2.862.761 de pessoas infectadas. Destes, 97.418, perderam suas vidas. Suas histórias foram definitivamente interrompidas. Seus sonhos desceram consigo à sepultura, como no caso do grande cacique Aritana Yawalapiti, que veio a óbito ontem (05), aos 71 anos de idade, depois de ter sido internado em uma UTI em Goiânia há duas semanas, devido a complicações causadas pela covid-19.

Todas as vidas são importantes! A vida destas quase 100 mil pessoas que nos deixaram, tocam o nosso coração e nos deixa profundamente tristes. E não poderia ser diferente. Todavia, quando “Um ancião indígena morre é uma perda para toda a humanidade”, é assim que o antropólogo Márcio Meira, ex-presidente da Fundação Nacional do Índio – FUNAI entre os anos de 2007 a 2012, define a partida de uma lenda viva como a do cacique Aritana Yawalapiti.

Aritana Yawalapiti, era um cacique no Alto Xingu, na região Nordeste de Mato Grosso. Era tido como uma de suas principais lideranças. A sua participação no movimento indígena era de fundamental importância, na garantia dos direitos dos povos indígenas que habitam o Parque Indígena do Xingu. Ao lado do cacique Raoni Metuktire, liderança do povo Kaiapó, Aritana era talvez, um dos últimos falantes do idioma de seu povo, o Yawalapiti. Considerado por muitos como uma liderança histórica, inclusive trabalhou com os irmãos Villas-Bôas na difícil tarefa de criar o Parque Nacional do Xingu. Aritana sempre trazia em si uma característica bastante peculiar. Com um ar de Paulo Freire, ele era um homem movido pela amorosidade.

A morte deste grande homem representa uma enorme perda, não somente para o seu povo, mas para todos, aqueles e aquelas que fazem das suas vidas uma luta permanente pela construção de uma sociedade mais justa, fraterna, igualitária e solidária. O que mais nos entristece é saber que tudo isso continua acontecendo, de tantas perdas irreparáveis de vidas, mediante a omissão e a desorganização da política necrófila e genocida, praticada pelo desgoverno de plantão no Planalto Central. Que nos sirva de exemplo toda a luta incansável de Aritana, não nos permitindo calar, frente ao genocídio dos Povos Originários.

Genocídio e etnocídio que continuam acontecendo com dia e hora marcadas para os povos originários. Um povo que vive assustado e entristecido, vendo a morte rondar as suas aldeias e eles, sem ter muito que fazer, dada a fragilidade de seus organismos, frente às doenças do homem branco. Segundo a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil – APIB, 633 indígenas já morreram infectados pela covid-19 no Brasil. Até o presente momento, já são 22.325 casos confirmados entre os povos originários. Sempre que um ancião perde a sua vida, parte da cultura segue com ele, como se uma biblioteca deixasse de existir. Perde o povo, perdemos nós, os brasileiros e perde também a humanidade, dado que são povos ágrafos.

A pandemia veio também para dar-nos várias lições. Este tempo de distanciamento social, quando tivemos que nos proteger de um vírus que está circulando, mostrou-nos que precisamos aprender a valorizar mais as pessoas, as nossas relações, as nossas amizades, os nossos afetos. Nunca sentimos tanto a falta do outro, da outra em nossas vidas. A nossa vida ficou limitada e enfadonha. O fato de não poder nem sequer abraçar, fez de nós carentes de afeto e aconchego. Por um lado, isso foi bom, porque estávamos fazendo com as pessoas, o que fazemos com as coisas: usamos e as descartamos, como algo que não nos serve mais.

Mas uma coisa está mais do que certa. Precisamos nos desperta para o cuidado com a nossa CASA COMUM a nossa MÃE TERRA. Ela que vem sendo saqueada e criminosamente maltratada. Como nos diz Miguel Nicolelis “Queimamos a maior floresta tropical do mundo sem pestanejar. Celebramos teto de gasto que sabota saúde e ciência. Assistimos a morte de mais de 92 mil compatriotas em cinco meses. E agora cogitamos mandar crianças e profissionais para a escola numa pandemia descontrolada Que diabos viramos? Que Brasil é esse?”

Como nos alerta o Papa Francisco na sua Carta Encíclica Laudato Si: “Esta irmã clama contra o mal que lhe provocamos por causa do uso irresponsável e do abuso dos bens que Deus nela colocou. Crescemos a pensar que éramos seus proprietários e dominadores, autorizados a saqueá-la. A violência, que está no coração humano ferido pelo pecado, vislumbra-se nos sintomas de doença que notamos no solo, na água, no ar e nos seres vivos”. (Nº 02)